Sobre meus voos favoritos: o RG 8864
De Paris (França)
Só no ano de 1988, acho que tomei-o 12 vezes no sentido Guarulhos-Nova York. Mas, infelizmente, essa frequência não se prendia só aos compromissos que tinha nos Estados Unidos, que não eram poucos, e tampouco às conexões para a Ásia que passei a fazer de lá, especialmente desde que minha namorada da época fixou residência no Greenwich Village. A contumácia se deveu a que tínhamos sofrido em Washington um oneroso e fastidioso processo de investigação por prática de dumping na exportação de nitrocelulose para os EUA. O peticionário era um fabricante local decadente, que recorreu à Justiça para adiar a quebra inevitável.
Nada me dava prazer tão grande quanto me desvencilhar dos compromissos em terra e, uma vez acomodado no nariz do jumbo 747, tomar uma taça de Dom Pérignon estalando de gelar. Quando fechava os olhos, é claro que não podia deixar de pensar nas tribulações que me esperavam. Muitas vezes, nesta época, nem ficava em Manhattan e já seguia direto para o River Inn, em Washington, onde tínhamos um apartamentozinho, não longe de Watergate, em que ficava uma semana inteira, só saindo para as cortes de justiça e para o escritório da Dorsey & Whitney, que estava gostando daquela brincadeira rentável.
Era um voo de muita gente importante. Na primeira classe, havia desde o playboy Jorginho Guinle, que tinha cortesias e regalias mil, até Mario Henrique Simonsen, então um ex-ministro, agora dedicado às aulas na FGV, e às reuniões com Reed, no Citicorp. "Por que não voar de Nova York para Londres direto, ver uma ópera, já que precisa estar lá na terça-feira?", eu perguntava. "Você tem 29 anos. Quando tiver o dobro da idade, vai saber que mesmo que seja por duas noites, só nosso travesseiro nos restitui as energias. Get old." Nunca ouvi tanta sabedoria numa exortação tão simples. Como o entendo hoje.
A imensa desvantagem desse voo era, evidentemente, o aeroporto da ponta de lá, o JFK. Como podia um hub tão importante ser tão acanhado no conforto, tão sem charme ou atrativos? Se isso pouco contava na chegada, na partida essa precariedade se tornava mais evidente. Naqueles anos, confesso que era um rapaz dado a farras e excessos. Trabalhava muito, mas também sentia uma necessidade patológica de me divertir. Não era raro que tomasse o voo de regresso extenuado, tendo passado a noite da véspera no Nell´s ou no Save the robots. Era uma época endiabrada. "Só me acorde quando chegar", pedia muitas vezes à comissária.
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