Quando Paris se veste de noiva

Quem me conhece, sabe que tenho certo orgulho desse longo vínculo que tenho com Paris. Como ela para mim é uma cidade eminentemente feminina, e como me apraz a companhia de uma mulher, nossa relação equivale a uma proeza conjugal. Paris foi, portanto...
Quando Paris se veste de noiva

Quem me conhece, sabe que tenho certo orgulho desse longo vínculo que tenho com Paris. Como ela para mim é uma cidade eminentemente feminina, e como me apraz a companhia de uma mulher, nossa relação equivale a uma proeza conjugal. Paris foi, portanto, a única delas a não se queixar de minha alma arrebatada. Mesmo porque, ela é mais arrebatada do que eu jamais sonharia em ser. Ser intenso, aliás, tampouco jamais chegou a ser um problema entre nós. Pois ninguém a supera em intensidade. São ou não razões suficientes para que o sujeito se ufane? Ora, para um cara de poucas glórias como eu, acho que sim. 

Na verdade, quando adolescente, queria muito passar um tempo aqui. À custa de tanto martelar o juízo de meus pais, eles consentiram que eu viesse ficar dois meses sob a supervisão de um primo mais velho. Ele me matriculou num curso de língua na Sorbonne, calibrado para meus conhecimentos – que eram ótimos para quem tinha 15 anos e tivera enorme dificuldade no começo –, me levou à estação de metrô Rue du Bac e disse que doravante estava livre para fazer o que quisesse. Ora, para quem abomina tutela e é empedernido independente de espírito, aquela alforria foi o melhor presente do mundo, conforme narro em "Vinhetas de Paris no Outono" (Editora Chiado, 2017).       

Na mesma semana, já arranjei uma namorada que tinha o dobro de minha idade – quem disse que Macron é o pioneiro nessa preferência? –, entreguei-me aos livros, mas sobretudo à cidade que aprendi a conhecer mais do que aquelas onde viveria longamente. Como já disse em outras ocasiões, só fui à Torre Eiffel uma vez, há 45 anos, e ninguém me verá nas filas do Louvre, entrando numa grande loja ou explorando as catacumbas. Mas é bem possível que me veja nas livrarias, nos cafés e em algum bistrô lá pelas bandas de Montparnasse. Enfim, bem sabemos que a cidade se presta a muitos gostos. A ponto tal que se presta até à falta dele.  

Essas reflexões vêm bem a propósito dessa sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018. Isso porque desembarquei na cidade logo cedo, inaugurando o calendário de encontros presenciais deste ano, já que só a vira do avião, um mês atrás, quando voltava do Leste da Europa para São Paulo, depois das curtas férias de Ano Novo. Pois bem, hoje essa Paris mulher estava à espera de seu velho e arquejante amante. E, para minha surpresa, vestida de noiva. A caminho do pequeno hotel onde fico, na última estação de metrô de uma simpática periferia, vi que jardins, parques e canteiros estavam brancos, acusando a neve do meio da semana. 

Depois de tomar um banho e emburacar no trem para a primeira reunião da temporada, a neve voltou e, rapidamente, se intensificou. De rala e inconsistente quando eu passava por Saint-Germain, tornou-se densa e viçosa ao cabo de uma hora. Os alertas já foram disparados e aviões, carros e trens se ressentem do transtorno. Com o adiamento de um compromisso, aproveitei a deixa e fui dar um passeio no Luxemburgo, à agradável temperatura de -2°. É de um café em Cluny que digito esse "post", à espera de um cálice de vinho para escoltar o fígado com batatas que está chegando. Se meu editor for benevolente, ele o publica ainda hoje. 

Agora é para valer: um Feliz Carnaval e até quinta-feira!  

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