O velho Macron
Definitivamente, a política tem de ser reinventada. O fim de governos centrados em personalidades, e aqui é o caso candente de regimes presidencialistas, parece decretado. Se assim não fosse, como explicar que o jovem presidente Macron (foto), há tão somente 17 meses na função, possa já enfrentar uma crise de popularidade tão aguda? Quem diria que o líder do movimento "En marche" poderia exalar em tão pouco tempo os odores malcheirosos da política autocrática e mofada, contra a qual ele se insurgiu com veemência? De que lhe servem a esta altura, a estatura intelectual e as ações aparentemente disruptivas que foram a marca da campanha e que lhe haviam proporcionado enorme engajamento espontâneo?
Pois bem, se a sexta-feira me autoriza a esboçar uma tese, esta seria a de que a campanha cansa. Vista como uma etapa crucial mesmo na vida dos que se dizem não-profissionais da política, o fato é que quando chegam lá, eles querem as delícias do oásis para esquecer os rigores do calor. Além das viagens internacionais cheias de simbolismo, impõe-se desfrutar da paz das conquistas já adquiridas, o que implica entregar-se às pompas e amenidades da função. Esse período de reconhecimento de terreno pode se prolongar por tempo indevido e termina por se calcificar como um doce hábito. Os amigos próximos começam a perceber que algo está mudando. E, com cautela, tentam alertar para essas armadilhas. Mas, temendo passar por chatos, silenciam.
Os pequenos episódios se acumulam. No caso de Macron, a nomeação mal explicada de um amigo para uma função em Los Angeles somada aos desmandos cometidos por um segurança – extremamente mal geridos pelo Elysée e pelo próprio Ministério do Interior –, desencadeiam o primeiro capítulo de isolamento da família presidencial. Depois vem a questão crucial: ora, nessa pisada, o presidente corre o risco de não se reeleger, fantasma de todos eles. Então tem início o vale-tudo antecipatório. Neste, há pouca diferença entre Macron e Ortega, exagero à parte. Quando o "feio é perder", a demagogia e o populismo ganham corpo e as boas credenciais que se tinha como candidato parecem se evaporar à espera da renovação do mandato. E então é o fim.
Se a França parou hoje para ver a homenagem que Macron fez a Charles Aznavour nos Invalides, o fato político da semana foi a humilhação que representou para o governo o pedido de demissão de um político de 70 anos, o ex-ministro do Interior Gérard Collomb, que não escondeu o desapontamento pelo que considerou o lado arrogante do presidente. O Brasil tem sido terreno fértil para esse tipo de carreirismo. São muitos os ex-eleitores de João Doria que não hesitam em lhe pregar a mesma pecha. Para além do descrédito que isso acarreta à política, abre-se um espaço imenso para a aventura, o messianismo e o vazio propositivo. Bem sabemos que basta chegar lá para que o novo mandatário se imante de todos os cacoetes do antecessor.
Mas, como sabemos, em poucos terrenos da psique humana o auto-engano é tão poderoso quanto na usina da esperança. Se pensarmos bem, felizmente. Sem ela, enlouqueceríamos. Aqui ou aí.
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