O coronavírus ditará o ritmo da economia da América Latina neste ano
O túnel parece longo demais, mas alguns estudiosos já conseguem enxergar a luz em seu fim: a recuperação econômica da América Latina pode não ser um futuro tão distante, afinal. Em webinar promovido pelo World Trade Center (WTC) Curitiba, Joinville e Porto Alegre, empresários e estudiosos da área compartilharam suas percepções e expectativas para o segundo semestre dos países latinos. É verdade que os cenários se alteram de fronteira para fronteira, mas a recuperação geral dá sinais de depender do mesmo fator: a vacinação. A expectativa é que, em 2021, a economia mundial tenha resultados muito mais positivos em comparação ao ano passado, com expectativa de crescimento de 5.6%. Para a América Latina, a média geral tende a ser de 4%. Um resultado melhor, mas ainda não tão bom – e que só pode ser alcançado se a pandemia for controlada.
O economista português Álvaro Santos Pereira reforça que vacinar o máximo de pessoas o mais rápido possível é essencial para evitar a mutação do vírus, que poderia, no futuro, causar a ineficácia de algumas vacinas. O diretor do Centro Latino-Americano do Conselho do Atlântico Adrienne Arsht, Jason Marczak, corrobora a estratégia com o exemplo dos Estados Unidos. "O presidente Biden pretende acelerar muito a vacinação até maio. Com isso, o crescimento econômico e a reabertura dos negócios volta a ser possível, e já estamos vendo grandes novos potenciais investimentos na região. Para que outros países tenham a mesma experiência, é de extrema importância que não escolham entre tipos de vacinas. Desde que sejam aprovadas, não importa se estão vindo dos Estados Unidos, Europa ou China, e sim que sejam aplicadas antes do surgimento de novas variantes", salienta. Ele também atenta para os resultados positivos de recuperação trazidos pelos auxílios emergenciais em alguns países.
Pereira ressalta que a recuperação no Brasil ainda é permeada por outros dois fatores: reformas e estímulo ao investimento. "A regulação do mercado ainda é muito restritiva no Brasil. Reduzir essas barreiras é crucial. Depois da vacinação, o próximo foco deveria ser as reformas e a diminuição da burocracia", avalia. Marczak elenca fatores trazidos pela pandemia que devem ser vistos como oportunidades para a América Latina: o rápido desenvolvimento da telemedicina, que pode ser a chave para a resolução de problemas antigos como desigualdades e falta de acesso à saúde pública; a revitalização econômica, que pode trazer ainda mais luz à corrupção; o crescimento do interesse pelo turismo nas regiões latinas; o home office e as novas possibilidades de viajar sem precisar parar de trabalhar; a consolidação da importância da energia limpa para países como o Brasil, que poderia se aproveitar disso para firmar parcerias com a Europa e os Estados Unidos.
Para onde vão os investimentos?
Dirk Donath, sócio-gerente da L Catterton na América Latina com experiências no México, Brasil, Argentina e Bogotá, compartilhou um pouco de suas perspectivas como investidor da região. "É incrível pensar que agora, quase treze meses após o início da pandemia, estamos vendo alguns sinais verdes em certas categorias de consumidores. Conforme a vacinação avançar e adentrarmos o terceiro e quarto trimestres, começarão a se formar bases bastante sólidas para um crescimento saudável em 2022", acredita. Ele explica que o consumo continuou crescendo em 2020, mas, naturalmente, foi observado de dentro das casas. "A atividade nos supermercados aumentou, negócios mexicanos de molho apimentado tiveram um boom, já que as pessoas estavam experimentando na cozinha. O consumo de vinho também se manteve bastante sólido. Há questões demográficas e psicológicas no comportamento do consumidor que ainda precisam ser sanadas. A questão é: como serão sanadas a partir de hoje?", instiga.
Segundo Donath, houve uma grande mudança na maneira com que os consumidores desejam ser atendidos hoje em dia. Valores como autenticidade, companhia e conveniência são muito mais relevantes atualmente do que no passado. "Por isso, investimos na maior varejista digital da América Latina de produtos para animais de estimação, por exemplo. Agora as pessoas passam mais tempo em casa, em família, ou precisam de mais companhia. A migração para o digital é outro grande fator. Outro investimento recente foi na maior agência de viagens on-line. É um reflexo da necessidade das pessoas por viagens, que vai voltar com muita força, e da migração para o digital", exemplifica. Donath acredita que o período atual é de transição, e que mesmo as tendências que são observadas dependem da disponibilidade da vacina, mas que o sentimento geral é mais positivo do que nos meses anteriores.
Início de novos desafios
Ministrante do evento, a professora da FGV São Paulo Maria Tereza Leme Fleury ressaltou que o período de transição pelo qual o mundo está passando também traz novas etapas a serem conquistadas pelas empresas. A transformação digital já é amplamente discutida, mas representa, talvez, o maior desafio de todos. O objetivo é que as companhias saibam aderir a uma abordagem omnichannel, isto é, oferecendo experiências igualmente bem-sucedidas nas lojas física e on-line. O CEO do WTC Curitiba, Joinville e Porto Alegre, Josias Cordeiro, sugere que os líderes das organizações brasileiras façam planejamentos para diversos cenários, mesmo que isso vá contra as tendências do cenário empresarial. "Tudo muda muito rápido em nosso país, então não somos muito bons em planejar. Mas encorajo os líderes a fazê-lo. Vejo muitas equipes que, hoje em dia, enfrentam problemas por não ter uma boa visão a respeito do futuro", explica Cordeiro. Outra tendência importante, para ele, é que as startups já iniciem suas atividades tendo em vista a internacionalização, algo que, naturalmente, contribui muito para o crescimento dos países.
Donath acredita que, conforme o público voltar a frequentar restaurantes e viajar, a confiança do mercado irá crescer proporcionalmente. "Há alguns meses, estávamos em modo de sobrevivência. Parecia um luxo falar sobre o futuro. Hoje, já chegamos a um ponto em que conseguimos planejar e usar palavras como crescimento regional. E, claro, quanto mais vemos isso, mais vemos um mercado global, também. O consumidor é um indicador vivo da economia. Conforme eles voltarem a ter confiança, os investimentos voltarão, também", garante.
No entanto, economista Álvaro Santos Pereira alerta para a importância de reconhecer os diferentes cenários trazidos pela pandemia, e a necessidade de compreender que não há uma verdade absoluta a respeito do futuro. "Nem todos os latino-americanos que ficaram em casa guardaram dinheiro. Muitos trabalhadores perderam empregos, então estão em situações ainda piores do que antes da pandemia. Políticas de apoio deveriam ser direcionadas a essas pessoas, para que recuperassem suas vidas e empregos. E, novamente ressalto, o Brasil, assim como muitos países da América Latina, segue sendo um dos mais burocráticos para o empreendedorismo. Quando abaixamos essas barreiras, se torna um país muito dinâmico. Essa deveria ser a prioridade daqui em diante", defende.
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