"Ferrari" é um ótimo filme

A Itália é um grande tributo à beleza e ao engenho
Commendatore Ferrari foi um grande homem (Foto: perfil do autor no Facebook)

1 - Para mim, tudo o que diga respeito à Itália é interessante. Não tenho pelo país a paixão arraigada que lhe devotam os descendentes, que se contam aos milhões no Brasil. Mas lá até o que me incomoda, também diverte. A começar pelas pessoas. Isso talvez peça uma explicação.

2 - Quando comecei a trabalhar com os italianos, eu já tinha 25 anos. Antes disso, estudara com muitos deles na Alemanha e aprendera a língua. Mas nada se compara a trabalhar com um povo: é nessa dimensão que a gente capta as idiossincrasias expostas e, sobretudo, as ocultas.

3 - Nunca gostei da veneração que os italianos têm pelas pessoas poderosas, por qualquer um que tenha os cacoetes de "capo". Gosto do "underdog", do anti-herói, do azarão. Gosto de quem é amigo dos fracos, de quem lhes estende a mão. Na Itália, há o culto ao "Gran Signore".

4 - Quando cheguei por lá, os ídolos eram Gucci, Ferrucci, Agnelli, Gardini e Cuccia. Tudo estava para quebrar: Pirelli, Olivetti e Alitalia. No último momento, havia um arranjo e todos salvavam a pele. Ou então alguém se suicidava e comovia o país: fora culpa da Máfia, do Vaticano ou da Maçonaria.

5 - Em Milão, eu ia no fim da tarde ver os aposentados se esgoelar na frente do Teatro La Scala, na saída da Galeria Vittorio Emanuele. Todos gritavam. Finamente vestidos, esbravejavam que a Itália estava morta e se inebriavam com a própria voz, sem escutar ninguém.

6 - O establishment era patético. Tudo concorria para salgar as faturas. Uma vez pensamos em abrir um escritório lá. Meu representante, neto de grande expoente político da Democracia Cristã, ex-diretor da Montedison, foi o homem individualmente mais chato e prolixo que eu conheci.

7 - Por outro lado, nas pequenas cidades da Lombardia, do Vêneto e do Piemonte, dava gosto de ver as pequenas empresas que criavam maravilhas à custa de arranjos produtivos que as poupassem do Fisco, uma invenção demonizada de Norte a Sul, o que merece toda minha simpatia.

8 - O Commendatore Ferrari foi um grande homem. Devotado aos motores, líder de Modena e um bastião de muitos do bom gosto e da beleza em sua forma mais pura, teve uma vida de perdas dolorosas, reveses e venturas no amor e, acima de tudo, de capo de uma seita apaixonante: a Ferrari.

9 - Minha expectativa para com o filme era baixa. Tenho horror àquele inglês peninsular em que é falado e achava que o tema das tomadas de tempos na velocidade reeditaria cenas manjadas. Nada disso! O filme tem amor, drama, emoção e nos leva ao coração do intrincado ethos nacional.

10 - Depois de assisti-lo, acho que nunca mais vou ver um carro Ferrari do mesmo jeito. A Itália é um grande tributo à beleza e ao engenho. Vivi experiências que me remeteram ao momento seminal da criação de vinhos, sapatos, cristais e chocolates. Agora foi a vez de sua excelência o motor.

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Quinta, 21 Novembro 2024

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