Dia dos Namorados na Grand-Place
Nos minutos que antecedem a partida entre Real Madrid e Paris Saint-Germain, a Grand-Place se veste de vermelho para acolher as celebrações de São Valentim, logo do Dia dos Namorados, aqui na Europa. Quem não está fisgado por um evento, estará certamente pelo outro, e me dou por bastante feliz por não me sentir em nada comprometido seja com o duelo entre Neymar e Cristiano Ronaldo, seja com alguma europeia que devesse levar para jantar. O certo é que os bons lugares já estão reservados há bom tempo, mas não me incomodará comer ao balcão um pote de mexilhões com batatas fritas, se conseguir lograr esse feito. Uma boa cerveja local fará as devidas honras, pois amanhã logo cedo volto para a França onde darei sequência aos trabalhos junto à Macronlândia, interrompidos por um dia, coincidentemente concorrido.
Seja como for, venho de um tempo em que mulheres e futebol eram mutuamente excludentes. Havia uma espécie de negociação em torno de eventuais idas ao estádio e criteriosa equação de contrapartidas. Quando morava perto do Pacaembu, por exemplo, gostava de assistir às partidas do domingo à tarde, e nem sempre sabia quem estava jogando, até chegar lá. Ao me conceder essa trégua, minha então mulher pedia que eu desse prova de paciência quando fôssemos ao shopping Iguatemi, o que para mim era uma verdadeira provação, apenas suavizada pela solitária e acanhada livraria Siciliano, onde puxava uma cadeira e contava as horas que custavam a passar. Até ver futebol pela televisão era um problema. Para evitar contendas, eu me refugiava na cozinha e me contentava com um pequeno aparelho sintonizado com um Bombril na antena.
Embora nunca tenha sido empedernido fanático – salvo quando o calendário assinala as grandes datas –, é certo que sempre me senti merecedor de uma mulher que gostasse de futebol e que não fizesse perguntas pueris ou mesmo que demonstrasse uma ignorância total quanto às regras, a ponto de achar que merecia um pênalti o que só justificava uma cobrança manual de lateral. Mas certo é que as poucas que conheci que eram enfronhadas no tema, logo me pareceram desinteressantes e não tardei a perceber que já estava saudoso daquelas que se sentiam mais à vontade com o balé ou com filmes intermináveis. Em suma, daquelas que, segundo Danuza Leão, jamais entenderiam que um encontro de há muito ansiado pudesse ser protelado em função de um jogo prestes a começar, o que é uma situação verossímil e corriqueira.
Pelo sim pelo não, os floristas foram os grandes vitoriosos do dia de hoje. Pois desde as primeiras horas que vejo homens e mulheres sobraçando vistosos buquês. Pelos anúncios, parece que boa parte das rosas provém do Quênia. No lugar desses casais que vejo desfilar pela calçada na noite fria, daria tudo para uma comemoração doméstica. Com um olho especialmente treinado para ver o trágico, não me escapa à percepção que muitos deles estão simplesmente cumprindo um rito social chato. E nada é mais angustiante do que ver casais que atravessam um par de horas juntos, sem conseguir trocar uma palavra. Nesse contexto, acredito piamente nos encontros que já aconteceram ontem ou mesmo durante o dia de hoje. Menos consentidos e talvez clandestinos, aposto que devem ter sido mais tórridos e abrasivos.
É hora de achar meus mexilhões. Dentro de mais uma hora, quero estar de banho tomado e sob cobertas espessas. Vou dar uma olhada no jogo sim, mas ao primeiro sinal de monotonia, desligo o aparelho e durmo. Os astros da tela estão com a vida bem ganha. E a minha começa no saguão do hotel, com partida para a França pela Gare de Bruxelles-Midi na sequência. Que atletas e namorados performem bem.
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