De Soweto a Atibaia

Na rua Vilakazi, viveram simultaneamente Mandela e Tutu. Quem trafega por ali, é tomado pelo paradoxo: como uma artéria de gueto pode ter abrigado dois laureados de prêmio Nobel? Pois bem, percorramos agora alguns endereços que dizem respeito a outra...

Na rua Vilakazi, viveram simultaneamente Mandela e Tutu. Quem trafega por ali, é tomado pelo paradoxo: como uma artéria de gueto pode ter abrigado dois laureados de prêmio Nobel? Pois bem, percorramos agora alguns endereços que dizem respeito a outra realidade – esta comum aos dois lados do Atlântico: Nkandla, Gbadolite e Atibaia. O que une essas três palavras de ressonância exótica? A primeira, Nkandla, é onde está a propriedade de campo do presidente sul-africano, Jacob Zuma. Que ele tenha meia-dúzia de mulheres e uma vintena de filhos, atribuamos o feito à virilidade zulu – etnia de que é membro e símbolo. O problema que evoca Nkandla, na província de onde é oriundo – KwaZulu-Natal –, é o capricho do mandatário no momento mesmo em que o país passa por sérios apertos e tenta se desvencilhar do fantasma aterrorizante da recessão. Indiferente ao detalhe, Zuma não hesitou em torrar R$ 70 milhões para fazer uma espécie de Dineylândia para desfrute próprio, formada por uma dezena de casas em forma de tenda, o que assinala, no mínimo, que a família pode aumentar, para desespero do contribuinte.  

Digamos, contudo, que a extravagância tem o precedente do segundo endereço. Quem já virou os 40 anos, lembrará do presidente do Congo, então Zaire, Mobutu. Aquele mesmo que tinha um boina de pele de guepardo. Aliás, Joseph Mobutu Sese Seko Kuku Nhbendu Wa Za Banga ("Guerreiro vencedor que só conhece um triunfo depois do outro" – em tradução literal que, diga-se de passagem, não fui eu que fiz), como gostava de ser chamado. Pois bem, ele construiu em Gbadolite (foto) que se denominava na época de "Versalhes da África". Sintomaticamente, a primeira-dama se chamava Marie Antoinette e, para que ninguém alegasse dificuldade logística para visitá-lo longe de Kinshasa, ele construiu uma pista de 3.200 metros de aeroporto privado. Essa propriedade bota no chinelo a do líder sul-africano. Custou, há 30 anos, mais de U$ 200 milhões. O complexo gravitava em torno de três casas principais e se inspirou numa visita à Cidade Proibida, em Pequim. Os banquetes eram servidos numa passarela rolante – dessas que se veem nos bares de sushi do Japão – e eram assinados por chefes renomados. Sobre mármore italiano, à beira do complexo aquático, se comia codorna na brasa em porcelana de Limoges e o Dom Pérignon dissipava o calor equatorial. 

Sem delongas, ninguém é obrigado a continuar morando em casas caixas de fósforo de Soweto depois de ganhar um grande prêmio. Mas a crônica das moradas faustosas costuma acabar mal. Se já tivemos a Casa da Dinda, estopim para a deflagração de um trauma nacional, agora se comenta que o ex-presidente Lula também se entregou a tais caprichos e teria uma propriedade extravagante em Atibaia, além do tal triplex no Guarujá. Nunca se soube de nada parecido com FHC, De Gaulle, Mario Soares ou Felipe Gonzalez. Pois bem, é bom que Lula saiba que os palácios de Ghadafi já viraram fumaça e a selva hoje encobre o delírio de Mobuto, onde macacos se divertem espatifando vasos de Baccarat. Pergunto: será que as carências da infância disparam uma espécie de gatilho de compensação mais adiante, na idade da razão? Ou razão mesmo tem quem atribui esses transbordamentos ao dinheiro fácil e ao servilismo dos prestadores de serviço? E dizer que dia desses o mundo se estarrecia com a coleção de sapatos de Imelda Marcos. Quem dera.  

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Sexta, 26 Abril 2024

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