Brexit: o palco de Monsieur Barnier
Que o Web Summit LIsboa congrega euro-entusiastas, isso está fora de qualquer dúvida. Até por isso, fosse o ouvinte senegalês ou indonésio, ele não teria dificuldades de entender a essência da mensagem do sóbrio Michel Barnier (foto), o negociador plenipotenciário da União Europeia para a pauta do Brexit. Disse ele: "Até agora, ninguém conseguiu me explicar qual é o valor que o Brexit acrescenta. Ninguém. Nem mesmo Nigel Farage", referindo-se ao chefe de fila da tese separatista. Os aplausos, puxados por muitos dos ingleses presentes, ecoaram na Altice Arena, de Lisboa.
Abstraindo-me do mérito de uma questão já tão exaustivamente debatida, e que tem desaguado até na fertilíssima produção literária britânica, chama a atenção a estatura de negociador de Michel Barnier. Isso porque é imenso seu empenho em minimizar os estragos de uma agenda tão absurda quanto volátil. E que, ironicamente, ele encara como uma corveia, não como um prêmio. Afinal, ao que tudo indica, ele adoraria viver o dia em que a decisão fosse revogada, e o Reino Unido votasse por permanecer na UE. E, assim, que ele próprio fosse destituído das funções.
Na verdade, é como se ele administrasse os últimos sacramentos a um moribundo e, lá no fundo, torcesse para que o enfermo abrisse os olhos, dissesse "estou ótimo" e o sacerdote fosse dispensado. Enquanto esse momento não chega, ele negocia como se outro horizonte não houvesse. Por enquanto, nada indica que as eleições de dezembro possam lançar a Grã-Bretanha em novo plebiscito, o que provavelmente traria o ansiado bom senso de volta ao centro do debate. Se isso viesse a ocorrer, haveria sim um enorme suspiro de alívio a varrer a Europa.
Como sabido, contudo, o ponto nevrálgico político continua sendo a questão da Irlanda do Norte. Pacificada há 20 anos, vários caminhos se abrem para o país depois da efetivação do Brexit. O que mais inquieta é a questão da fronteira com a irmã Irlanda. Quem passa hoje por ali, não pode imaginar que aquelas milhas verdejantes já foram as mais belicosas da Europa nos últimos tempos. Michel Barnier não mostra inflexão no senso de dever. Quanto ele acredita numa reversão? Muito, pouco ou nada? Um dia talvez viremos a saber.
O que ele não escondeu em sua fala, contudo, foi o fato de que o Reino Unido separado não terá vida fácil na negociação com seus irmãos do Continente. "A história não termina quando o acordo for ratificado. O Brexit não é um divórcio. É o início de uma nova parceria." Entre nós, não sei como David Cameron consegue dormir à noite (ou a qualquer hora do dia), depois de ter lançado seu país em semelhante trapalhada. O que vai no coração e no tirocínio de Barnier, só saberemos mais tarde, como dito. Por enquanto, só há vez para o profissionalismo.
Veja mais notícias sobre Mundo.
Comentários: