Os filhos de pais grandes

Foi só na quinta-feira à noite que pude ler as tantas matérias publicadas sobre Otavio Frias Filho, falecido aos 61 anos, diretor de redação da Folha de São Paulo e grande mentor da reinvenção do jornal. Nessa toada, não foram poucos os que disseram ...
Os filhos de pais grandes

Foi só na quinta-feira à noite que pude ler as tantas matérias publicadas sobre Otavio Frias Filho, falecido aos 61 anos, diretor de redação da Folha de São Paulo e grande mentor da reinvenção do jornal. Nessa toada, não foram poucos os que disseram que sua contribuição extrapolou o âmbito do conglomerado da família e revolucionou até mesmo a forma de se fazer jornalismo no Brasil. Quem há de duvidar? Entre altos e baixos, a Folha se consolidou como o jornal mais lido do Brasil já há muitos anos, e desde a década de 1980, a presença de Otavio na empresa lhe conferia identidade inconfundível, mais precisamente a partir do lançamento do famoso Manual de Redação, que padronizou linguagem e procedimentos.

Mas sobre isso e muito mais, são dezenas os artigos já publicados. Até o colunista Marcelo Coelho, tão previsível em seus textos semanais, conseguiu se superar por ocasião da perda do chefe e amigo, mesmo porque desde setembro do ano passado, quando lhe identificaram um câncer com origem no pâncreas, estava esboçado o fim prematuro de Otavio, o que deu tempo para que alguns rascunhassem seu alentado obituário. A dimensão que eu gostaria de ressaltar neste espaço se cinge às poucas vezes que estivemos juntos e às tantas outras que sobre ele ouvi. No primeiro caso, me chamava atenção o homem que chegava aos lugares públicos como se estivesse importunando e pedia licença para fazer uma pergunta. 

Certa ocasião, depois de termos dividido uma mesa de bar, comentei com um amigo sobre a origem de tanta contenção emocional, daquele quase recato de viver. Na minha compreensão de sociólogo de botequim, trata-se um fenômeno muito comum entre os chamados bem nascidos. Forjados à sombra da figura paterna, nem a morte desta os libera para reeditar o carisma e aquele estar à vontade no mundo que caracterizava o perfil solar do pai. Nesse contexto, filhos de homens como Walther Moreira Salles e Antonio Ermírio de Moraes podem até ser brilhantes, mas parece que lhes falta o desassombro, o que os condena a uma espécie de figuração na constelação social e empresarial em que o destino os inseriu. 

Acho que o mesmo pode ser dito do filho de "seu" Frias. Corajoso, sem dúvida, arrojado em algumas manifestações artístico-literárias, Otavio deixa um intangível de sobriedade que, de resto, não é incomum na grande imprensa do mundo. Se cabe aos jornalistas muitas vezes subir à ribalta e protagonizar um enredo mais luminoso do que as próprias histórias que contam, aos chefes compete a sobriedade e o recuo. Poucos, contudo, chegaram a tanto. Conheci mulheres que se relacionaram com ele em dado momento de suas vidas. A impressão que me ficou é que elas nunca se libertaram do homem que ele foi. Sua morte prematura se inscreve em mais uma dessas fatalidades brasileiras que tanto nos entristecem. 

Veja mais notícias sobre Memória.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Sexta, 26 Abril 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://amanha.com.br/