O gatinho de Cora Rónai
De Paris (França)
Domingo morreu o gatinho de minha amiga Cora Rónai. Já há algumas semanas, a agonia de Tobias estava se desenhando de forma inquietante e até leigos totais em temas veterinários como eu, apostavam que o fim estava próximo. Fotografado nas mais variadas posições, Tobias viveu, pelas minhas contas, 7 anos, 2 meses e 13 dias, que foram para um gato o que teriam sido sete décadas gloriosas para um monarca venturoso.
Pelo pouco que sei de sua dona e da rotina que os entrelaçava, Tobias era dos mais queridos de uma família de sete membros. Da janela, tinha a seus pés uma exuberante paisagem de mata, pedra e água, e Cora foi pródiga em carinhos, mimos, rações premium – o que imagino fosse caviar beluga e Dom Pérignon para a realeza –, e recebia até a visita ocasional de macacos em domicílio, que ele contemplava com a serenidade de quem não se sente ameaçado.
Para quem não é iniciado nessas lides, mas que acredita entender alguma coisa de amor, ler o que Cora escrevia sobre Tobias podia parecer meio desconcertante. Era mais ou menos o que eu sentia quando cheguei aqui à Europa e percebia um certo "over" no afeto que as concierges portuguesas de Paris dedicavam a seus gatinhos. A explicação mais fácil era que eles as supriam de um amor que lhes faltava dos humanos. Pronto, bastava.
Um dia, a gente vê que se trata de um reducionismo brutal. Que o amor não obedece ao princípio da caixa d´água ou da cisterna, e que sempre pode caber mais onde já há muito. E, sobretudo, que outras espécies são perfeitamente bem-vindas. Mamãe teve dois gatinhos há mais de 70 anos. Alfeu e Botinha Branca. Eu e meu irmão não podemos ter cachorro por uma chuva de alegações que iam dos móveis aos banhos. Tudo era pretexto.
De todos eles, porém, um me ocorreu nesses dias que antecederam a morte de Tobias. Meus pais diziam que tinham pena antecipada de mim e meu irmão porque um dia o cachorro iria morrer e a gente iria sofrer. Para evitar o sofrimento de uns dias, ou de uma vida, fomos privados de anos de uma alegria que, emocionalmente, sabe-se lá se não nos fez falta. Cá entre nós, Cora, eu desconfio que sim. Não foi em vão que Tobias se foi, se isso é consolo.
O dia a dia das últimas semanas me fez refletir mais sobre minha própria infância do que em muitos anos. Onde quer que ele chegue, mande procurar o gato Ed, do amigo Paulo Henrique Maciel, que se foi há um ano tão de repente. E se ele for tão bom pesquisador quanto foi sua "mãe", que fuce os arquivos e mande notícias de Alfeu e de Botinha Branca que tenho certeza de que mamãe vai gostar um bocado de saber. Que venham alegrias pela frente, Cora.
Comentários: 6
Que carinhosa homenagem à Corinha. Eu também tenho grande família de gatos e já perdi muitos. Também sempre tive cachorros, juntos e misturados. Já perdi muitos, mas a dor de cada perda nunca me faria abrir mäo da convivência com esses seres especiais. Que pena que seus pais näo te permitiram essa alegria.
Nossa, minha infância foi assim também, agora aos quase 50 anos meu marido deu para mim e meus filhos um cachorrinho, nunca é tarde, ser mãe de um cão me fez mais feliz,.poderia ter sido mais cedo mas não poderia ter vindo em hora melhor. Acompanho a Cora também e sua família de gatos e sofri junto.
Eu necessito que exista, sinceramente, o céu dos animais. A dor que eu dediquei ao perdê-los seja recompensado por um lugar chamado paraíso e também porque eles não merecem sofrer pra morrer.
Preferível milhões de vezes a dor da despedida à falta dos imensos carinhos e amores de nunca saber.
Legal. Gostei.
Sou seguidora de Cora Rónai e acompanhei as narrativas emocionadas, por vezes esperançosas de um amor sem medida. A passagem de Tobias deixará saudades. E acredito que só sentimos saudade do que foi bom!