Grandes histórias

Todo dia vou à mesma banca de jornal e de lá saio abastecido com quase um quilo de papel de imprensa que, por sua vez, me acompanhará pelo dia, onde quer que esteja. Assim, no restaurante, no bonde ou nos bancos de praça, um passante vai sempre perce...
Memória

Todo dia vou à mesma banca de jornal e de lá saio abastecido com quase um quilo de papel de imprensa que, por sua vez, me acompanhará pelo dia, onde quer que esteja. Assim, no restaurante, no bonde ou nos bancos de praça, um passante vai sempre perceber que ali se encontra um homem mais antigo do que moderno, e mais arraigado a velhos hábitos do que a praxe de seus coetâneos. Algumas vezes, quando acontece de chegar ao café sem a sacola de revistas, o garçom me olha preocupado. "O que aconteceu? Perdeu o gosto pelo mundo?" Mais do que ler as principais manchetes, me compraz compilar as pequenas coisas que fazem a vida grande, aquelas notinhas que passam quase despercebidas diante das grandes barbaridades e dos escândalos que varrem o mundo. 

Semana passada, fiquei tocado com a imagem de uma aliança de casamento que foi encontrada numa floresta em Meurthe-et-Moselle. Tudo indica que ela deva ter pertencido a um soldado francês da Primeira Guerra Mundial. A data do casamento está gravada no interior do aro: 25 de abril de 1910. Os nomes que constam são os de M. Boulanger e G. Minin. A pessoa que achou essa preciosidade disse que ela estava a uns quinze centímetros sob a terra, entre Blainville-sur- l´Eau e Rosières-aux-Sallines. À volta do local, ainda se viam marcas de tiros de obus, de balas e de detonação de granada. Desde que encontrou a aliança, o homem tem uma ideia fixa: encontrar os descendentes e familiares do casal para devolver-lhes o que pode ser o símbolo de um amor interrompido, vivido sequer pela metade. 

Já esta semana a notícia que me tocou veio da Escócia. Um menino de 7 anos, órfão de pai, lhe escreveu uma carta de aniversário e a colocou na caixa do correio. Como endereço, escreveu "Paraíso". Mas o melhor foi a resposta. Um funcionário do Royal Mail lhe enviou a seu domicílio de Blackburn. "Conseguimos entregar sua cartinha a seu pai lá no Paraíso. Foi muito desafiante achar um caminho entre as estrelas e outros objetos galácticos no caminho, mas deu certo". Também da Grã-Bretanha veio uma notícia inusitada e feliz. Um bebê de dois anos passava 17 horas ao dia a sorrir. Desesperados, os pais já não aguentavam mais tanta risada. Um exame mais profundo mostrou que ele tinha um tumor no cérebro do tamanho de uma semente de uva. Operado, lá se foi o aparente bom humor, mas agora está saudável. 

Por fim, do Tirol do Sul, veio uma história que virou livro – "O testamento de uma vida", ainda não traduzido para o português – em que Vinz, um soldado austríaco, no inferno da trincheira bombardeada e sabendo que ia morrer, escreveu uma carta a certo "inimigo", na verdade seu melhor amigo, um italiano da mesma região das Dolomitas que, por conta das raízes familiares e do cenário bélico mundial, se vê de outro lado da luta. Para proteger a carta da intempérie, ele ainda a cobriu de cera de vela e deixou-a num cantinho da trincheira, antes de expirar. A carta foi achada 82 anos mais tarde pelo alemão Udo Wieczorek. Nada pode haver de mais devastador do que as reverberações de um grande conflito no âmbito das famílias e das amizades. Afinal, toda interdição ao amor deveria ser proibida. 

Dia desses, o garçom do restaurante "Lard et Crème" me perguntou com ar gozador se poderia me dar um presente de Natal. Mas é claro, com prazer, respondi. Quando perguntei se poderia saber do que se tratava, ele disse que era uma tesourinha para que eu pudesse cortar os pequenos artigos que me agradam tanto sem mutilar a página do jornal, tentando recortá-los com os dedos. Se ele vai dar o presente ou não, não sei. Mas é sim uma boa ideia. 

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Quinta, 21 Novembro 2024

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