Brasil detém amplas reservas de minerais estratégicos
O Brasil tem potencial para ser um dos protagonistas globais na corrida pelos minerais que promovem a transição energética, mas está ficando para trás. Essa é a conclusão de um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que analisou reservas, produção, comércio exterior e investimentos em dez minerais considerados essenciais para tecnologias como carros elétricos, turbinas eólicas e painéis solares. Os números impressionam pela disparidade entre potencial e realidade. O país detém 74 milhões de toneladas de grafita, quase o mesmo volume da China, que lidera o ranking mundial. Nas terras raras, substâncias essenciais para motores de veículos elétricos e equipamentos de geração renovável, o Brasil aparece com 19% das reservas globais, atrás apenas da China e do Vietnã. No manganês, ocupa a terceira posição mundial; no níquel, a quarta. E possui ainda 9% das reservas de bauxita, matéria-prima do alumínio.
Apesar disso, a produção nacional de parte significativa desses minerais caiu de forma sistemática nos últimos sete anos, enquanto o mundo acelerou a extração para abastecer a indústria da transição energética. O estudo mostra que a produção brasileira de grafita despencou, em média, 8,4% ao ano, enquanto o mercado global avançou 10% anualmente. No segmento de manganês, a retração anual foi de 7,4%. No caso das terras raras, a queda média foi de 6,4% ao ano, diante de um crescimento mundial superior a 19%. "O Brasil tem reservas comparáveis às dos principais produtores, mas não converte esse potencial em produção. O país está fora da dinâmica global que impulsiona a mineração para sustentar a descarbonização", afirma Rafael da Silveira Soares Leão, um dos autores do estudo.
O contraste fica ainda mais evidente quando comparado a países que partiram de posições muito inferiores. Moçambique, que em 2017 tinha uma produção irrisória de grafita, multiplicou sua extração por 206 vezes até 2022. Madagascar cresceu quase nove vezes no mesmo período. A Guiné, dona das maiores reservas globais de bauxita, quase triplicou sua produção desde 2017. Já o Brasil, reduziu sua oferta de bauxita em cerca de 2,8% ao ano.
A disputa global pela "nova energia"
Parte dessa corrida é explicada pela mudança estrutural nos sistemas de geração e consumo de energia. Com a expansão de carros elétricos, parques solares e usinas eólicas, tecnologias de baixa emissão de carbono tornaram-se altamente dependentes de minerais específicos. Enquanto um carro a combustão utiliza menos de 50 quilos desses materiais, um veículo elétrico pode demandar mais de 200 quilos de cobre, níquel, lítio, grafita e terras raras. A International Energy Agency (IEA) estima que a intensidade mineral da geração elétrica renovável é várias vezes maior que a das usinas fósseis. Uma turbina eólica offshore, por exemplo, exige até 16 toneladas de minerais por megawatt instalado. Um painel solar requer mais de sete toneladas.
Essa nova realidade abriu espaço para uma geopolítica distinta da que marcou o século do petróleo. Em vez de grandes exportadores de hidrocarbonetos, agora ganham importância países com reservas de cobalto, níquel, grafita e terras raras. A China, ciente desse movimento desde os anos 1990, antecipou-se e construiu hegemonia na extração, além de etapas de maior valor agregado como o refino e o processamento. Segundo o estudo do Ipea, atualmente os chineses controlam 95% do refino de grafita, 91% das terras raras, 91% do manganês, 78% do cobalto e 70% do lítio. No níquel, a liderança é dividida com a Indonésia, embora boa parte das operações indonésias seja de controle chinês. Com isso, a China domina também o elo final da cadeia: 85% da produção global de baterias para veículos elétricos está em território chinês. "Os países que conseguem garantir acesso estável e barato a minerais críticos têm melhores condições de desenvolver tecnologias renováveis. E isso vale tanto para grandes produtores quanto para grandes importadores com forte poder de barganha, como Japão e Alemanha", observa o pesquisador.
Se o Brasil não avança na produção, tampouco ocupa posição relevante no refino de minerais críticos ou na manufatura de tecnologias da transição energética. Isso deixa o país, segundo o estudo, em situação de vulnerabilidade: exportador de minérios brutos de baixo valor agregado e importador caro de equipamentos verdes. A exceção recente é o lítio, extraído no Vale do Jequitinhonha. Impulsionadas por novos investimentos, as minas brasileiras registraram crescimento anual médio de 75%, transformando o país no sexto maior produtor do mundo. Mas ainda é pouco para a ambição de integrar a cadeia global de baterias. Para Leão, o país não tem apenas um desafio mineral. "Há também entraves logísticos, ambientais, regulatórios e tecnológicos. Sem investimentos em exploração, pesquisa geológica e capacidade industrial, manter grandes reservas não será suficiente para garantir lugar na economia verde", afirma o pesquisador.
O estudo ainda revela outra tendência: ao mesmo tempo em que cai a produção doméstica, cresce a dependência externa de produtos do segundo elo da cadeia: os minerais já processados, essenciais para a indústria. Isso reforça o diagnóstico de perda de competitividade e de ausência de estratégia integrada. O Brasil, de modo geral, tem se comportado mais como fornecedor complementar de matérias-primas para a China do que como competidor global capaz de subir na escada de valor. "Se o país não alinhar sua política mineral à política industrial e energética, corre o risco de ficar na mesma posição que ocupou durante o século XX: exportador de recursos primários e importador de tecnologia", alerta o autor.
Janelas que começam a se fechar
Embora os dados indiquem alguma recuperação pontual da produção mineral brasileira em 2023, especialmente em cobre, manganês, zinco e lítio, os pesquisadores afirmam que esse movimento ainda é insuficiente para alterar o quadro geral. A transição energética avança rápido e tende a concentrar cadeias produtivas nos próximos anos. De acordo com o estudo, o Brasil precisa agir imediatamente caso queira transformar suas reservas gigantes em oportunidades concretas. Isso inclui reduzir incertezas regulatórias, ampliar investimentos em prospecção, fortalecer a fiscalização ambiental, modernizar a infraestrutura logística e fomentar a indústria de transformação mineral. "Estamos diante de uma mudança estrutural que não acontecerá de novo. A forma como o mundo organizará suas matrizes energéticas e industriais nas próximas décadas será profundamente influenciada por decisões tomadas agora. O Brasil tem condições de ser protagonista, mas só será se agir", conclui Leão.
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