Os caças e a caça
Em dezembro passado finalmente entraram em operação os quatro primeiros caças Gripen (foto), da sueca SAAB, de um total de 36 aeronaves adquiridas pelo Estado brasileiro ao custo de R$ 20 bilhões. Uma concorrência internacional que começou nos estertores do segundo governo FHC e ensaiou um desfecho no governo Lula, mas só foi concluída mesmo com Dilma – e cuja entrega calhou de ocorrer no apagar das luzes do governo Bolsonaro. Um processo que levou mais de duas décadas imerso em ponderações e lobbies militares, econômicos, diplomáticos e tecnológicos (leia mais aqui), e que lembrou, por diversos motivos, compras corporativas complexas.
Compras complexas são aquelas que envolvem equipamentos caros, de longa durabilidade e adquiridos episodicamente, ou serviços cuja qualidade é difícil de averiguar a priori, como sistemas de gestão ou consultorias. E que exigem preparo especial dos vendedores dedicados a esse mercado. A semelhança se deve, em primeiro lugar, à existência de diversas instâncias de decisão. Em grandes empresas, compras complexas costumam mobilizar diferentes setores e profissionais, instados a emitir opinião e avaliar fornecedores. E mesmo que se reserve ao CEO a palavra final, qualquer óbice de um dos envolvidos poderá significar a perda do contrato para o vendedor. Isso significa que ele tem de ser capaz de agradar a diferentes personagens por meio de argumentações distintas, pois cada um fala uma língua – compras, área técnica, financeiro e governança, por exemplo. No caso dos caças adquiridos pelo Brasil, a FAB fez uma recomendação técnica pelos suecos, mas a escolha esteve ameaçada por preferências diplomáticas pelos franceses Rafale e econômicas pelos Boeing.
Outra semelhança é que compras complexas costumam se estender no tempo, exigindo paciência e persistência de consultores comerciais, bem como o cultivo de um relacionamento que anteceda a negociação e que sobreviva às inevitáveis idas e vindas do processo em si. Não raro, aquisições assim costumam hibernar ou mesmo ser abortadas, principalmente quando não urgentes. A empresa compradora simplesmente se assusta com a quantidade de fatores a serem levados em consideração e com o montante a ser desembolsado, e deixa o tempo passar para ver se a necessidade é para valer mesmo ou se foi fruto de um arroubo. Como compras complexas exigem tempo e esforço, consultores comerciais podem testar a convicção do potencial cliente com o agendamento de reuniões ou a solicitação de informações para elaboração de uma proposta sob medida. O cumprimento de "tarefas" ajuda a calibrar o relacionamento e a indicar quanta dedicação a transação merece por parte do vendedor.
Ah, sim, e o detalhe mais importante para consultores comerciais dedicados a este mercado. Como todo vendedor, especialmente no setor B2B, em que clientes não pipocam a todo momento como nas lojas e nos sites, saber perder um bom contrato e recomeçar no dia seguinte é fundamental. Como diz o pesquisador Clotaire Rappaile, vendedores são por natureza "perdedores alegres". Sabem que 90% das suas investidas darão em nada; "logo, quem triunfa (...) é aquele que não perde a esperança ou fica destroçado pelo insucesso". Por quê? "Pela emoção da caça", conclui ele (HBR, julho 2006).
Ou dos caças, quem sabe.
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