América Latina: o pote de ouro da YellowPepper
Especialistas da indústria estimam que haverá na América Latina 605 milhões de smartphones até 2020, um número que só será superado pela região da Ásia-Pacífico. Essa é uma oportunidade e tanto para a YellowPepper, uma start-up que atua no negócio de banco, pagamentos e comércio do setor móvel. A companhia, com sede em Miami, informou que gera atualmente 30 milhões de transações mensais, em média, na região. A estratégia da YellowPepper consiste em formar parcerias com os serviços financeiros e outras empresas já estabelecidas da região em vez de desestruturá-las como é de praxe entre as start-ups digitais nos Estados Unidos. Embora concorrentes de porte muito maior como a Apple Pay, Android Pay e Samsung Play participem desse mercado, a YellowPepper acredita que sua relação com empresas latino-americanas já consolidadas lhe dá vantagem. A Knowledge@Wharton entrevistou Serge Elkiner, um dos fundadores e CEO da companhia, sobre a dinâmica de mercado do setor de pagamentos móveis na América Latina e sua estratégia para fazer da YellowPepper uma empresa forte nesse segmento.
Qual a principal oportunidade do mercado de pagamentos móveis na América Latina?
Há dois mercados distintos a serem analisados: o móvel e o bancário. Vamos começar pelo móvel. Criamos nossa empresa há oito anos e meio priorizando os serviços financeiros. Na época, a penetração da telefonia móvel na América Latina era cerca de 84% em média. Hoje, é de mais de 100% em todos os mercados que operamos [uma vez que o número de aparelhos é superior ao de pessoas]. O celular é uma coisa que as pessoas usam de fato. E agora que os smartphones estão crescendo em popularidade, isso nos permite utilizar um sistema mais sofisticado. As pessoas estão cada vez mais conectadas a Internet através do smartphone, e não do computador.
A América Latina é um grande mercado. Você poderia discorrer sobre os diferentes segmentos e quais áreas seriam mais desenvolvidas do que outras?
O Chile, de modo geral, tende a ser mais desenvolvido. Ali, por exemplo, a penetração do smartphone chega a 56% e é o mais alto da América Latina. O Brasil está próximo de 50%, mas isso não significa necessariamente que todos esses clientes tenham um plano de dados no seu aparelho, uma vez que ele funciona como objeto de desejo para muita gente. A penetração no México é de cerca de 25%, enquanto na Colômbia e no Equador ela é de aproximadamente 25% a 30%. O mercado com menor penetração é o da Bolívia, com cerca de 15% a 20%. Vamos falar agora da chamada “bancarização”, isto é, o número de pessoas de um país que tem conta em banco e a utiliza. O Chile tem uma taxa de bancarização de 60%; o México, em torno de 30%; e a Colômbia, aproximadamente de 30% a 40%. Poderá haver sobreposições entre a penetração e a bancarização de smartphones. Cerca de 80% a 90% das pessoas que têm um smartphone também têm conta em banco e, possivelmente, cartão de crédito. Nem todo o mundo, porém, usa automaticamente o telefone para fazer operações bancárias. Muita gente que tem conta em banco na América Latina não usa sua conta tanto quanto nós nos Estados Unidos ou na Europa devido à dificuldade de acesso. Há uma escassez de agências bancárias nesses países. Os bancos estão tentando criar novos canais para alcançar as pessoas. O segmento móvel, na minha opinião, é o canal mais propenso a transformações e a ter um impacto maior com o menor custo operacional. Pode-se perfeitamente defender a vinculação entre o segmento móvel e o bancário para que se ofereçam diferentes serviços de valor agregado, como o serviço de banco móvel e de pagamentos móveis, que nos permite fazer compras em ponto de vendas pelo celular. O setor móvel está abrindo oportunidades para consumidores, bancos, varejistas e empresas de tecnologia como a nossa.
O serviço móvel de banco na África está a pleno vapor, especialmente em países como o Quênia. De que maneira você vê o crescimento do setor móvel e de pagamentos móveis na América Latina? Quais alguns dos obstáculos ao crescimento no mercado móvel?
Em termos comparativos, a África tinha um ecossistema financeiro menos desenvolvido, bem como uma infraestrutura, hardware, software, sistemas de pontos de vendas e emissão de cartão de crédito etc igualmente menos desenvolvidos. A América Latina é um pouco diferente porque embora não seja tão desenvolvida quanto os EUA e a Europa, os bancos latino-americanos são maiores e a infraestrutura local é mais disseminada do que na África. No México, por exemplo, há cerca de 2,5 milhões de pontos de varejo sendo que 600 mil deles têm um sistema de ponto de vendas que permite às lojas trabalharem com pagamentos através de cartão de crédito ou de débito. Cerca de 20% a 30% dos varejistas aceitam pagamentos com cartão, sinal de que há uma infraestrutura significativa em funcionamento nesses países. Isso é positivo porque podemos usar essa infraestrutura. Contudo, é também um desafio porque sua utilização exige que façamos parcerias com o sistema financeiro, inclusive com os processadores de pagamentos e os bancos. Foi sempre nosso plano na YellowPepper fazer essas parcerias. Levamos aproximadamente três anos para consolidar esses relacionamentos, assinar os contratos, integrar nossos serviços com os sistemas de hardware e software etc. Agora a empresa está em funcionamento e usa a infraestrutura do México, Colômbia e Equador.
É comum observar uma dinâmica interessante nesses mercados. É praticamente um cabo de guerra entre os bancos e as empresas de telecomunicações que disputam a “posse” do cliente. Pode-se ver isso de forma acentuada na África. Como está sendo na América Latina?
Duas coisas impactam esse cabo de guerra: regulamentação e tecnologia. O ambiente de negócios na África favorece o lado das telecomunicações, mas na América Latina os bancos estão em uma posição mais favorável. Ali, seja lá como for, você sempre precisa de um banco. Contudo, a tecnologia está mudando esse cabo de guerra. Sistemas como o M-PESA e o Tigo Cash na África, Easypaisa, no Paquistão e Airtel Money dependem todos da tecnologia que é controlada pelas operadoras de telecomunicações. Contudo, desde a introdução do iPhone e do smartphone Android, acabou a dependência de uma determinada operadora para a utilização de uma tecnologia específica no celular. Os smartphones disponibilizam novas capacidades para que bancos, varejistas e empresas como a nossa rodem programas e criem novos sistemas que não dependam das companhias de telecomunicações.
Qual era sua estratégia para a YellowPepper quando você começou e o que mudou?
Criei minha empresa originalmente nos EUA para oferecer serviços agregados. Não estava fazendo nada na América Latina. Só fui colocar o pé na região dez anos atrás. Quando, porém, entramos ali, fomos para o Equador e continuamos a oferecer serviços de valor agregado para empresas como estações de tevê e jornais. Ajudamos, por exemplo, a operar alguns dos seus serviços através de mensagem de texto. Identificamos então uma oportunidade por volta de 2007 para o setor de banco móvel no segmento de serviços financeiros em virtude das longas filas que se formavam nos bancos. Achávamos que deveria haver uma maneira melhor de fazer as coisas, uma vez que a maioria das pessoas que estava nas filas queria simplesmente verificar seu saldo. A esta altura, 95% das transações eram feitas nas agências bancárias e muito poucas delas via Internet banking. Achamos que as operações móveis seriam boas para os clientes dos bancos porque os ajudariam a evitar as filas. Foi assim que entramos no mundo bancário móvel e rapidamente abrimos mão de tudo o que não estava voltado para os serviços financeiros. Nós nos concentramos 100% na América Latina e encerramos tudo o que tínhamos nos EUA. Começamos a trabalhar com os bancos na criação de serviços diferenciados, primeiro com mensagens de texto, em seguida, com outros canais. Nos últimos quatro ou cinco anos, nosso trabalho junto aos bancos consistiu no desenvolvimento de aplicativos para smartphone. Temos observado um crescimento extraordinário no setor de aplicativos bancários. Decidimos então, há três anos, ampliar nossas capacidades e trabalhar também com pagamentos nos bancos com que operávamos. Nosso sistema de banco móvel já alcança 500 milhões de usuários mensais tendo gerado aproximadamente 30 milhões de transações mensais. Queríamos oferecer pagamentos móveis àquele público, por isso decidimos integrar todos os sistemas.
A estratégia, então, mudou?
Não. Nossa estratégia nos últimos três anos não mudou, mas evoluiu. O mundo está claramente se tornando digital, o que afeta todos os aspectos da nossa vida e nosso “eu digital”. Bancos, varejistas e processadores de pagamentos da nossa indústria não estão exatamente prontos para essa transformação, o que dá espaço para a entrada de novos concorrentes que desestruturam o sistema. O mais novo concorrente é a Apple Pay, juntamente com o Android Pay, do Google, e o Samsung Play. Nossa estratégia no decorrer dos últimos três anos consistiu em trabalhar com os bancos, processadores de pagamentos e varejistas da América Latina com o propósito de inaugurar uma nova era digital para o comércio, compras, bancos e pagamentos. Dissemos a eles: “Vamos trabalhar juntos. Caso contrário, vocês ficarão marginalizados. Se trabalharmos juntos, nos ajudaremos vocês e vocês continuarão a ser parte importante desse diálogo. Poderá haver outros concorrentes, mas vocês continuarão a ser importantes.”
De que maneira sua start-up trabalhou com os bancos em vez de subverter o sistema?
Diferentemente dos EUA e da Europa, a indústria bancária latino-americana é extremamente consolidada. Duas ou três empresas chegam a dominar 70% do mercado. Há um total de aproximadamente 15 bancos importantes em cada mercado e dois processadores que são de propriedade dos bancos. Enquanto isso, nos EUA, há 10 mil bancos e 2,5 mil processadores acreditados através da Visa e MasterCard. Portanto, é complicado entrar num ambiente desses, mas depois que você entra, aí então percebe como é difícil o acesso da concorrência. Em vez de tentar trabalhar como start-up independente e incomodar os líderes do setor, decidimos que era melhor trabalhar com eles. “Se as principais instituições forem receptivas, poderemos chegar a uma posição de domínio nos próximos anos e nos defender dos novos concorrentes. Caso contrário, teremos de seguir um caminho próprio.”
Qual foi a receptividade deles às suas advertências acerca do novo cenário digital?
Nem sempre foram simpáticos. Alguns bancos foram conquistados com uma apresentação em PowerPoint. Outros tinham egos que nos barraram a passagem. Às vezes, pode acontecer de você fazer contato com a pessoa errada da empresa. É preciso encontrar um ou dois “defensores” em cada país que compartilhem da sua visão. O CEO talvez seja a pessoa certa com a visão certa, mas nem sempre é possível chegar até ele. Além disso, alguns bancos são bancos globais e os funcionários não podem tomar decisões estratégicas em nível local. Isso significa que você tem de ir à sede para se encontrar com o responsável, que pode ser em Madri, Nova York, Barcelona etc. Conseguimos estabelecer relações com o Banamex, do México, com o Grupo Aval, na Colômbia e com o Diners Club no Equador. Outros vieram em seguida. É uma longa jornada. É uma maratona, e não corrida de curta distância. Destinamos muito capital para a parte de operações, investimentos e integração de sistemas com nossos clientes. Estamos agora muito bem posicionados, uma vez que qualquer empresa que queira introduzir uma operação de pagamentos móveis nesses países da América Latina pensará primeiro em conversar conosco, porque isso é muito mais fácil do que fazer tudo por conta própria.
Qual a principal oportunidade que você vê para a YellowPepper na América Latina nos próximos dois ou três anos?
Creio que o setor móvel vai deflagrar capacidades que hoje não existem. A maior oportunidade que vejo é poder levar um rosto e um nome ao consumidor no momento em que ele faz suas compras. Os bancos ainda não têm insights de compras desse tipo. Nossa tecnologia combinada com a plataforma móvel oferece a oportunidade para o arranque inicial dessa interação com o consumidor, o que pode ajudar a gerar receita adicional para varejistas e bancos. Participaremos de parte dessas receitas que disponibilizarmos.
Quais os principais desafios que você vê para tirar proveito da oportunidade que descreveu? Como você planeja vencer essas dificuldades?
A adesão do consumidor é um desafio. Você tem de desacostumar as pessoas habituadas a usar dinheiro, cartão de crédito e de débito. Elas devem ser incentivadas a dar esse passo e a se sentir bem com isso. Possíveis opções para encorajá-las a fazê-lo seria a introdução de um programa de lealdade ou de pontos, por exemplo. As pessoas ? e a carteira delas! ? têm de se sentir atraídas por você. Em segundo lugar, há o desafio técnico de integrar diversas partes móveis. Isso leva tempo. Por exemplo, a Apple Pay começou a funcionar com milhões de lojistas e lojas cadastrados, mas ainda não consigo usá-la em todos os lugares em que faço compras. O desafio consiste em integrar continuamente novos sistemas e lojas. O terceiro passo ocorre quando bancos e varejistas não compartilham da sua visão. Talvez eles estejam confusos ou quem sabe querem saber primeiro para que lado o mercado vai se deslocar antes de tomar uma decisão. Isso retarda o avanço. Contudo, no decorrer dos próximos três ou cinco anos, tudo se ajeitará. Fomos um dos primeiros a entrar no segmento com força total e acredito que participaremos também desse debate nos próximos anos.
Quais medidas você está tomando hoje para garantir que os desafios serão vencidos?
Sempre tentamos encontrar bancos grandes o bastante para apoiar o programa. Tivemos sorte na Colômbia de conseguir a adesão imediata de oito bancos. Tivemos sorte no México de trabalhar com o Banamex. Essa mesma filosofia é válida para os varejistas. Estamos em busca de grandes varejistas que sejam receptíveis ao sistema, porque isso dará confiança ao consumidor. Acabamos de lançar uma campanha em parceria com o McDonald’s nas últimas semanas e estamos começando a trabalhar com as lojas de conveniência Circle K no México. Diferentes varejistas de visão que aderiram ao nosso programa num primeiro momento nos ajudarão a instilar confiança no sistema e farão com que o usuário final se sinta seguro.
Como um dos fundadores e CEO da YellowPepper, qual o maior obstáculo que você já encontrou para sua liderança? Como você o venceu e o que aprendeu?
Eu tinha 25 anos quando ajudei a fundar e me tornei CEO da YellowPepper. Eu era jovem e estúpido. A gente erra muito quando se é jovem. A impetuosidade não deixa a gente pensar bem nas decisões que toma. Agora, passados 11 anos, penso muito nas decisões que tomo e analiso os problemas que aparecem. Mas não gosto do par “analisar/paralisar”. Nós analisamos e tomamos posição. Contudo, meu maior desafio foi investir nas pessoas. Tive de formar uma equipe, e para isso foi preciso contratar uma porção de gente. No fim das contas, porém, percebi que nem sempre contratava as pessoas certas. Não dávamos atenção ao processo de contratação e como as pessoas se encaixariam em nossa empresa. Não bastasse isso, tínhamos uma operação em andamento em vários países. Integrar os países e lidar com as diferenças culturais pode ser um desafio. Por isso, de alguns anos para cá, enfatizamos mais os recursos humanos, o recrutamento e o desenvolvimento do profissional para garantir que a equipe esteja bem entrosada. No fim, a produtividade é maior. Acho que essa foi a principal lição e a mais desafiadora, porque é difícil contratar bons profissionais.
Onde você acha que a YellowPepper estará daqui a cinco anos?
Seremos uma empresa de peso em nosso segmento na América Latina. Não tenho planos de expandir fora de lá. Há muito trabalho a ser feito e sou apaixonado pela região. Embora tenha nascido e crescido na Bélgica, me apaixonei pela América Latina. Além disso, minha esposa é do Equador. Na verdade, a região tem um grande potencial que precisa ser trabalhado. Acho que daqui a quatro ou cinco anos, quando você pensar em pagamento no meio móvel ou em banco móvel na América Latina, você vai pensar na YellowPepper.
*Serviço gratuito disponibilizado pela Wharton, Escola de Administração da Universidade da Pensilvânia, e Universia, rede de universidades que conta com o apoio do Banco Santander.
Veja mais notícias sobre Empresa.
Comentários: