Uma semana no Facebook

A culpa foi de meu editor de São Paulo. Se estamos com dois livros no prelo para 2016 – uma temeridade num ano em que as pessoas estão racionando a provisão de tomates na feira, de tão curto que está o dinheiro –, a condição inegociável para que pudé...

A culpa foi de meu editor de São Paulo. Se estamos com dois livros no prelo para 2016 – uma temeridade num ano em que as pessoas estão racionando a provisão de tomates na feira, de tão curto que está o dinheiro –, a condição inegociável para que pudéssemos levar a cabo o projeto passava pela inserção de meu nome numa plataforma digital múltipla. E, para ele, esta atende pelo nome de Facebook. Pois bem, dei luz verde para que fizéssemos um teste. Ou seja, para que molhássemos os pés na água para lhe provar a temperatura. Se estivesse gelada, era só recuar e esperar melhor momento. Mas não foi nada disso o que aconteceu. Pois, já na simulação, ele me arremessou de vez contra a primeira onda. Em minutos, como se dotado de poderes telepáticos, foi me perguntando se eu conhecia fulano ou sicrano. Ingenuamente, respondi, como se isso ainda fizesse parte das preliminares cadastrais. Eis então que ele disse: “parabéns, você já está no Facebook”. Nos minutos seguintes, tomado pelo pânico de misantropo assumido, vi desfilar nomes de gente que já dava por mortas e outros tantas que saudavam minha rendição à tecnologia com escárnio.

O resultado parcial disso é que de homem feliz, me tornei um angustiado. No espaço de poucos dias, estou com mais de 30 amigos – logo eu que passei uma vida feliz com meia-dúzia. E olhe que dizem que seis já é uma enormidade. Dos que "aceitei" – como reza o jargão – já me arrependi amargamente de cinco acolhidas. Ora, são pessoas que podem ser tudo, menos amigas, mesmo dentro dos parâmetros frouxos do joguinho. O fim da paz já me leva a querer cancelar o passo mal calculado. Que se dane o editor, penso eu. Ele já não tem a plataforma dele? Pois bem, coloque o livro na prateleira e quem quiser me escreva um e-mail. Mas ele diz que é assim mesmo. Reação de principiante. Pede que eu aguente mais uns dias e a experiência vai ser metabolizada. Para meu alívio, afirmou que as centenas de pessoas que aparecem na tela se candidatando a ser amigos, não disparam essas súplicas e tampouco ficarão sabendo que não as acolhi, quando for o caso. Na maioria das vezes, não há nenhum motivo para incorporá-las nem muito menos para rejeitá-las. E eu detesto matutar mais de 10 segundos sobre um simples "sim" – por mais saiba que ele só é um descuido do "não", no dizer do poeta. 

Decididamente, não cheguei para ficar. Já não está fácil de acompanhar o Brasil e o mundo. Ficou difícil sincronizar, aos 57 anos, uma enorme variedade de interesses, ademais de precisar dispor de um mínimo de tempo para cuidar da saúde, do trabalho, da agenda de viagens e, ultimamente, até da família. Pois bem, como conciliar isso com boletins sobre shows de rock, bebedeiras alheias e fotos de por do sol às pencas? Só se for para enlouquecer de vez. É o que sempre digo: melhor pobre antigo do que novo rico. Melhor a paz do anonimato do que o aconchego fugaz de tão inusitado calor humano. Vamos ver. Mas acho que passou a hora para mim de aderir a seitas. E o Facebook não deixa de ser uma. Isso se percebe pelas palavras de acolhida. É como se um rito de iniciação tivesse acabado de acontecer. Quem já viu um homem se submeter a circuncisão a essa altura da vida? Sei não.      

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Sábado, 14 Dezembro 2024

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