Problema de diagnóstico
Em entrevista reproduzida pelo site da Unisinos, o sociólogoZygmunt Bauman (foto) comentou a atual crise econômica na Europa. E citou oconsumismo como uma de suas causas: “A metade do problema é o excessivoconsumismo, o esbanjamento que predomina. E é por isso mesmo que nenhumprovável partido de poder não promete aos seus eleitores que combaterá oconsumismo. Não falamos, naturalmente, para frugalidade, mas para mudança daforma de pensar e de forma de vida, com ênfase na satisfação das necessidades enão a satisfação dos consumidores. O mundo, então, não esbanja dinheiro paraadquirir diversos gadgets como, por exemplo, você adquirir um novo telefonecelular, enquanto o antigo continua funcionando perfeitamente” (entrevista completa aqui).
Como autor de um recente livro justamente sobre a talfrugalidade prescrita por Bauman (“Por uma vida mais simples”), eu poderia concordar deimediato com o diagnóstico do sociólogo. Mas acredito que a discussão seja umpouco mais complexa.
Em primeiro lugar, o consumismo não é uma “doença” fácil deser identificada. Numa definição simples, poderíamos afirmar que o consumismo éo consumo em excesso. “Excesso”é a compra que vai além do necessário, queatende apenas a “desejos e caprichos”. O consumismo combater-se-ia “comprandosomente aquilo de que se precisa”. De imediato, fica patente a precariedade dodiagnóstico: necessidades e desejos não são conceitos definitivos,indiscutíveis. Pelo contrário; são bem abstratos, indefinidos, quase pessoais.À exceção das necessidades físicas (alimento, abrigo, sono, sexo), todas asdemais são culturalmente construídas, de modo que necessidades ou desejos deconsumo são tão verdadeiros e legítimos quanto quaisquer outros. O consumo é,em nossa sociedade, uma resposta a questões humanas, e não mero canal desuprimento de carências físicas. É um meio pelo qual a sociedade contemporâneatransaciona significados, suprindo menos urgências materiais do que simbólicas.De nada adianta falar em “necessidades” e “supérfluos”, ou em “comprar apenas oque se precisa”: não é disso que o consumo trata.
Segundo: além de não haver certeza sobre do que trata adoença, não há sequer consenso de que ela exista. O consumismo não ocorrecontra a vontade das pessoas. Ele representa, hoje, a vontade das pessoas. Cadaum tem a sua visão do que seja “consumismo” e “exagero”, já que cada um entendenecessidade e desejo de maneira diferente. O discurso de desaprovação aoconsumo é forte, genérico e amplo o suficiente para ganhar a simpatia e ainércia de todos. Mesmo o mais ferrenho crítico do dito consumismo atual, todavez que submetido a algum questionamento sobre suas próprias práticas, respondecom base em justificativas que, evidentemente, o eximem de responsabilidade,transferindo-a para os outros. Todos temos nossas próprias razões paradirigirmos carros que ocupam espaço excessivo nas vias, acumularmos roupas emais roupas no armário etc.
Há um agravante adicional. Nas nações em desenvolvimento,movimentos voluntários de moderação no consumo são ainda menos prováveis, poispopulações emergentes tendem a idealizar o padrão de vida dos países ricos,superdimensionando os benefícios do capitalismo. O consumo, entre populações pobresou recém saídas da pobreza, funciona como uma forma de empowerment, de exercerum controle inédito sobre suas próprias vidas, historicamente marcadas pelaprivação e pela falta de opções. Nos países ricos – ou nas classes mais altasdos países em desenvolvimento –, a liberdade de escolha relacionada ao consumoé um fator do cotidiano, ao qual não se confere atenção, visto que entendidacomo permanente e inalienável. Mas, para os pobres, é uma novidade fundamentalque lhes ajuda a desenvolver uma identidade social e um senso de pertencimentoao coletivo. Não surpreende que para estas pessoas o remédio da frugalidade soecomo uma injusta e oportunista tentativa de tolher conquistas há muitoalmejadas, tal qual uma ameaça de apagar as luzes tão logo se tenha conseguidoingressar, após muito tempo e esforço, no salão de festas.
Por tudo isso, não admira que partido político algum sedisponha a “combater o consumismo”, como quer Bauman. Trata-se de uma causaimpopular e mal definida, sobre a qual não compensa, filosófica eeleitoralmente, construir uma plataforma política. Que o diga Jimmy Carter que,em fins dos anos 1970, tentou algo nesse sentido, nos Estados Unidos. Oresultado? Perdeu a reeleição para Ronald Reagan.
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