Os efeitos colaterais da desvalorização do yuan
Em meio à desaceleração econômica, o Banco do Povo da China (PBOC, na sigla em inglês) "chocou" os mercados na noite da última segunda-feira (10) ao anunciar a desvalorização da sua moeda em relação ao dólar em quase 1,9%, o que causou muita apreensão nos mercados internacionais. Com essa medida, o yuan fechou com a maior perda desde 1994.
Esse movimento faz parte de uma mudança da política cambial do país, redefinindo o mecanismo de fixação da taxa de referência diária. De fato, o comunicado do banco central revela a intenção de alinhar as taxas cambiais nos mercados offshore e onshore, medida que ocorrerá apenas uma vez, segundo avalia a equipe econômica do Bradesco. Ao mesmo tempo, a autoridade monetária esclareceu que a taxa de referência será baseada no fechamento da cotação do yuan do dia anterior, com maior influência do mercado e não apenas pela taxa determinada pela autoridade monetária.
Conforme destaca a LCA Consultores, a desvalorização da moeda fez com que os investidores temessem que essa decisão tenha sido tomada pelas autoridades chinesas para fazer frente a uma desaceleração econômica mais forte. Na semana passada, inclusive, o Citigroup indicou em relatório que a China tinha inflado os seus números e que o gigante asiático cresceu "apenas" 5% no primeiro semestre, ante dados oficiais de alta de 7%. Em meio ao cenário de incertezas, os mercados pelo mundo todo operam com forte aversão ao risco fazendo com que os metais, o real, as moedas de países exportadores de commodities, as ações norte-americanas e europeias recuem.
A equipe do Bradesco lista ao menos quatro motivações para o recente movimento chinês. O aumento da competitividade da moeda chinesa para impulsionar as exportações, que estão muito fracas, encabeça a lista. O ajuste da taxa de câmbio real, que acabou ficando valorizada, vem a seguir. A possível resposta ao relatório do FMI sobre o SDR [special drawing rights, ativo de reserva internacional emitido pelo FMI], que criticava a diferença da cotação de mercado daquela fixada diariamente pelo banco central, é a terceira. Por fim, um avanço na reforma cambial, permitindo maior volatilidade e alinhamento com uma cesta de moedas (e não apenas com o dólar), com a intenção de internacionalização do Yuan seria a quarta motivação.
Essas medidas devem gerar "efeitos colaterais", principalmente de política monetária, pelo mundo inteiro. A desvalorização da moeda deve aprofundar uma rodada global de desvalorizações competitivas, especialmente entre seus parceiros comerciais na Ásia, com os países buscando vantagens sobre os vizinhos em um mundo de crescimento mais fraco. Além disso, a atuação da autoridade chinesa aumenta as especulações de que o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) pode atrasar a alta de juros, antes prevista para setembro.
Até agora, a decisão de Pequim de manter a moeda estável ante o dólar estava em contraste com o quadro em Europa, Brasil, Japão, Turquia, África do Sul e outras nações emergentes, que usaram em geral uma combinação de medidas extraordinárias de estímulo e cortes nos juros para enfraquecer suas moedas. As expectativas de que os Estados Unidos irão em breve elevar seus juros aumentam a pressão para baixo sobre uma série de moedas, enquanto o dólar se valoriza.
O PBOC, que controla fortemente a moeda com uma banda cambial, decidiu não seguir seu padrão recente, em parte pela tentativa de promover o yuan como uma moeda internacional estável. O Banco do Povo da China também teme que a instabilidade interrompa os investimentos. A medida deve elevar a pressão sobre muitos países por cortes em suas taxas de juros e desvalorizações cambiais.
Os Estados Unidos, que já consideram a moeda chinesa abaixo de seu valor de mercado correto, devem elevar suas críticas à política cambial do gigante asiático, que muitos no Congresso norte-americano acusam de prejudicar os exportadores dos EUA. O resultado também pode ser um desconforto maior sobre o impacto do dólar mais forte para as indústrias dos Estados Unidos. A desvalorização também prejudica países que exportam grandes quantidades de commodities e produtos manufaturados para a China. Grandes exportadores de soja, carvão, níquel e minério de ferro, como Brasil, Austrália e Indonésia, já sofrem com os preços baixos das commodities em vários anos e agora podem ser impactados pelo Yuan mais fraco já que isso reduz a demanda chinesa.
Redução do apetite por commodities
Além disso, o apetite da China por commodities deve diminuir no curto prazo, após a decisão do país de desvalorizar sua moeda, ainda que um yuan mais fraco possa impulsionar as exportações de aço. Como um dos maiores compradores globais de commodities, a decisão da China de desvalorizar a moeda – na prática reduzindo o valor das exportações e elevando o custo das importações para o mercado doméstico – deve aprofundar as quedas nos preços do cobre, do alumínio e de outros metais. A China consome quase a metade da produção anual de metais do mundo.
Commodities que já estão em mínimas em vários anos devido aos temores sobre a desaceleração econômica chinesa e o fortalecimento do dólar [a moeda em que a maioria delas é precificada] sofreram imediatamente com a ação do PBOC. A medida também pressionou as moedas de países dependentes de commodities, como Austrália, Brasil e Nova Zelândia. "No curto prazo, isso é mais uma má notícia para os preços das commodities. Uma moeda chinesa mais fraca deve significar uma demanda mais fraca para as commodities produzidas internacionalmente", alerta Paul Bloxham, economista-chefe para Austrália e Nova Zelândia do HSBC. "Quando o petróleo se torna mais caro, isso deve prejudicar a demanda da China", afirma Daniel Ang, analista de investimentos da Phillip Futures. Segundo ele, os preços do petróleo podem cair mais. Economista do OCBC Bank em Cingapura, Barnabas Gan declarou que a desvalorização também pode prejudicar a demanda por ouro.
Benefícios moderados
A decisão trará benefícios moderados para o combalido setor manufatureiro chinês. Porém, donos de fábricas dizem que a medida pouco afetará desafios maiores, como a demanda global anêmica e alta dos custos da mão de obra. A mudança cambial implementada por Pequim torna os produtos de exportadores chineses mais baratos em outros mercados. "Damos boas-vindas a qualquer corte, não importa o tamanho.", comemora Yu Mingliang, diretor de desenvolvimento de negócios da Zhejiang Lianda Forging & Press Co., um fabricante privado de peças mecânicas da cidade de Wenzhou. Porém, a moeda é só uma questão para os exportadores chineses. Vários deles dizem enfrentar desafios maiores do que a taxa de câmbio, caso da demanda global fraca e do aumento dos custos dos trabalhadores.
A atuação da China também mostrou uma tendência dos formuladores de política já notada na Europa e outras regiões: a importância do câmbio como meio de impulsionar o crescimento econômico e impedir que a inflação desacelere demais.
A ação chinesa também mostra o quão delicadas para os dirigentes de bancos centrais são as decisões de política monetária de outros BCs. No caso da China, a expectativa de um aperto na política monetária do Fed levou à valorização do dólar. Como a moeda chinesa está vinculada ao valor da divisa norte-americana, isso elevou também o yuan ante o Euro e várias moedas de emergentes, pesando sobre as exportações chinesas. "A desvalorização chinesa deve agravar a guerra cambial entre países", aposta Stephen Roach, da Yale University. Outros analistas destacam a indicação de que as taxas cambiais continuam a ter um papel central nos esforços dos dirigentes para proteger economias frágeis. A taxa de câmbio é uma questão com a qual as autoridades europeias se debatem há anos. Diante de uma taxa de câmbio teimosamente alta do euro em 2014, dirigentes do Banco Central Europeu (BCE) começaram a advertir para o fato de que a força da moeda poderia enfraquecer a inflação, o que em geral leva a políticas de afrouxamento monetário.
Irritação?
Conforme destaca reportagem da CNBC, a medida tomada pela China mostrou que sim, é possível irritar a Ásia e o Fed com "apenas um tiro" – o que reforça a ideia de uma guerra cambial asiática e a postergação da alta dos juros pelo Fed. E muitas perguntas ficam no ar a partir de agora, como avalia o Financial Times. A questão-chave é se Pequim realmente permitirá que a moeda local tenha um câmbio flutuante. No ano passado, o BC já atuou quando a moeda estava constantemente se apreciando. Caso os investidores coloquem a moeda chinesa para cima, Pequim pode atuar novamente. Se não, quem pode reclamar são os países que competem nas exportações.
*Com Agência Estado.
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