Conter a crise de confiança é vital para estancar a sangria
Os países emergentes estão novamente no radar dosinvestidores globais, ainda que de forma seletiva. Não por temor de uma crisede dívida, pois o estoque de dívida externa soberana em relação às reservascambiais hoje é muito menor do que há 15 ou 20 anos atrás, quando os paísessofreram uma sequência de ataques especulativos e crises cambiais. Mas pelas consequênciasdo aumento do endividamento do setor privado desde 2010, que agora enfrenta umquadro de moedas mais depreciadas e crescimento mais modesto. O caso brasileiroé certamente dos mais dramáticos.
Por ora, não há sinais de fuga de capitais do Brasil. Háalguma blindagem. Hoje a razão entre dívida externa e reservas está em -2,3% doPIB, o que significa que o país é credor líquido em dólar, contra 32% em 1999,quando o Brasil passou a adotar o regime de câmbio flutuante. Os dados de fluxocambial mostram um menor interesse dos estrangeiros por investimento no Brasile uma lenta mas persistente saída de recursos de brasileiros. Não secaracteriza, no entanto, um movimento de fuga de capitais. Os estrangeiroscontinuam trazendo liquidamente recursos para o país. Foram US$ 57 bilhões atéagosto, ou algo como US$ 19 bilhões quando se exclui o investimento diretoestrangeiro. O valor é positivo, mostrando que não há fuga de capitalestrangeiro.
Mas o fluxo está murchando. No mesmo período do anopassado, o saldo foi de US$ 86 bi e US$ 28 bi, respectivamente. Aos poucos osestrangeiros vão desistindo do Brasil. Já os brasileiros vêm lentamenteretirando recursos do país, ainda que mais moderadamente este ano. São US$ 16bilhões de saída de recursos até agosto, ou algo como US$ 6 bilhões excluindo investimentodireto no exterior. Cifras mais modestas em relação ao mesmo período de 2014, quandoa saída foi de US$ 31 bilhões e US$ 18 bilhões, respectivamente. Essacombinação de menor influxo estrangeiro e saída de recursos de brasileirosacaba pressionando o mercado cambial.
Porém, essa não é a causa da pressão cambial recente, massim a crise de confiança. Não há relação direta e estável entre quantidade [fluxo cambial] e preço [taxa de câmbio]. Ainda que, grosso modo,a correlação seja naturalmente negativa [maiorfluxo e menor cotação do dólar], a taxa de câmbio se comporta como preço deativo, sendo mais sensível a expectativas do que ao fluxo cambial. E é dessasexpectativas que precisamos cuidar, especialmente após o erro do governo aodeixar escapar o grau de investimento.
Por esse aspecto, é limitada a capacidade de intervençãodo Banco Central. O papel das intervenções deve ser muito mais no sentido degarantir liquidez no mercado de câmbio do que influenciar o ciclo/tendência dataxa de câmbio. Em um quadro como o atual, de crise de confiança, é importantea presença do BC estabelecendo parâmetros no mercado cambial – e assim tentar evitarexageros. No entanto, a atuação do BC, inclusive com eventual uso de reservascambiais, esbarra na formação de expectativas. O desafio é prover liquidez semprejudicar a percepção de solvência de investidores e agências de rating, em função de perda de reservas,por exemplo.
Ainda que o quadro atual seja diferente daquele dos anos1990, marcado por crises cambiais e fuga de capitais, a sangria machuca o setorprodutivo, com o agravante que, como o Brasil é uma economia muito fechada, ataxa de câmbio tem de subir mais para ajustar as contas externas. Com a crisede confiança, o dólar em alta produz um contágio financeiro da crise sobre osetor privado. Por essa razão, não faltam notícias de dificuldades do setorprodutivo por conta da alta do dólar. A dívida externa privada de empresasresidentes está em torno de 5% do PIB (ou 15,5% quando inclui empréstimosintercompanhia), com alta desde o início de 2010, quando a dívida estava aoredor de 2,5% do PIB, segundo o BC. Somado a isso, há a captação de empresas nacionaisnão-residentes (com filial no exterior) totalizando algo como 2% do PIB,segundo o Bank for International Settlements (BIS). Assim, no total, seriam US$146 bilhões (ou US$ 355 bilhões incluindo os empréstimos intercompanhias). Aindaque parte da captação conte com instrumentos de proteção [o estoque de swaps está em US$ 110 bilhões] e defesas naturais [empresas com receita de exportação], ocusto financeiro é óbvio, especialmente com essa velocidade de depreciaçãocambial.
Como agravante, o contágio financeiro pega o setor privadoem momento já bastante vulnerável, com o avanço das inadimplências bancária enão-bancária, condições de crédito mais apertadas e aumento do custo decaptação. Ou seja, um quadro que tende a prolongar a recessão. Por isso, contera crise de confiança é essencial para estancar a sangria e, sem dúvida, evitarque o país seja aos poucos arrastado para cenários mais extremos, em que aâncora monetária é comprometida, deixando a taxa de câmbio desancorada – o quenão é o caso agora, apesar da piora das expectativas inflacionárias. Esperemos queo risco de cenários extremos não venham a ser aos poucos incorporados aos preçosde ativos e que a pressão cambial atual seja vista apenas como exagero [overshooting] e não seja o prenúncio doporvir.
*Economista-chefeda XP Investimentos.
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