China: não a subestimem...
Doutos analistas, mais ou menos conhecedores, mais ou menos informados e, infelizmente, a maioria mais ou menos preconceituosos, têm previsto desdobramentos ruins para a economia chinesa a partir da análise dos acontecimentos recentes na China. Humildemente, discordo da maior parte das opiniões que tenho lido nos últimos dias sobre o que vai acontecer no país e do risco dela se transformar em um grande desastre mundial.
Discordo por dois motivos. Primeiro, porque leio análises e previsões catastróficas sobre a China desde que acompanho os acontecimentos no país, há 30 anos, e elas não se realizaram. Segundo, porque nas opiniões divulgadas atualmente não há a diferenciação necessária do funcionamento da política e da economia da China. E o funcionamento dessas duas áreas em países ocidentais, como os Estados Unidos, a Alemanha e o Brasil. Essas diferenças são decisivas, a começar pelo sistema financeiro, que é o principal desencadeador de crises no Ocidente – e a mais recente, de 2008, é prova inconteste disso.
A diferença fundamental entre a China e as demais grandes economias citadas é que o sistema financeiro chinês não manda na China. A China é que manda em seu sistema financeiro. Igualmente no Grande Cassino que é a especulação das bolsas de valores e de mercadorias. Hoje é bastante conhecido o que ocorreu nos Estados Unidos com a loucura do alavancamento dos grandes bancos e seguradoras e o crime generalizado que foi cometido pelo sistema financeiro norte-americano nos anos 1990 e início dos anos 2000 com o subprime e derivativos. Na China, é impensável uma situação como a do Brasil, por exemplo, onde a economia produtiva é predada pelas taxas de juros reais mais altas do mundo, e a dívida pública aumenta por obra e graça do governo federal, via Banco Central, ambas beneficiando o setor financeiro, que em plena crise consegue obter alta lucratividade.
E quem é "a China" nesse caso? É o Estado, o governo central e o Partido Comunista da China. Essas três instâncias controlam a política e a economia. Dessa forma, incidem diretamente sobre o sistema financeiro, as bolsas e o grande comércio exterior chinês que movimenta mais de US$ 3 trilhões ao ano.
A economia chinesa retrair-se era algo esperado, após sete anos de crise mundial, durante a qual os Estados Unidos e a Europa, seus maiores compradores, reduziram as importações de produtos chineses. Mas a economia chinesa também continua sendo beneficiada pela crise mundial, na medida em que as suas maiores compras estão muito mais baratas hoje do que estavam antes da crise acontecer. O maior exemplo dessa situação boa para a China é o petróleo (ela é a maior importadora mundial) que vale hoje menos da metade do que custava ano passado. Para quem importa por ano o equivalente a uma vez e meia toda a produção brasileira de petróleo, essa economia é substancial... A economia chinesa com a importação de commodities durante a crise é fantástica, pois o minério de ferro e outros metais também tiveram seus preços muito reduzidos. E todos os demais produtos que compram em grandes quantidades, e dos quais dependem, como alimentos, ficaram ou ficarão mais baratos porque o mercado está para quem compra.
É inegável que a China pode ser arrastada para a crise mundial, assim como o Brasil parece estar sendo. No final dos anos 1990, ela foi abalada pela crise asiática; menos do que os seus vizinhos, é verdade, mas também foi. Talvez todos os investimentos no Brasil, anunciados pelos chineses em maio, sejam postergados, assim como poderá ocorrer uma substancial diminuição das compras deles de aviões da Embraer, soja, carnes, minério de ferro, celulose etc. É possível, mas não está dado.
O que os doutos analistas esquecem, ou não consideram, é que "a China" aprendeu com as crises do final dos anos 1970 e as demais que ocorreram desde então. Com isso, se preparou com antecedência para a de 2008 (prevista e "avisada" em 2001, se não me engano). Tanto é verdade isso, que o "pacote" de medidas do governo central chinês em 2009, de grandes investimentos em infraestrutura e no interior do país, conseguiu amenizar os impactos da crise iniciada nos Estados Unidos no ano anterior e a economia chinesa continuou crescendo.
Agora só nos resta esperar, e torcer, pois o que ocorrer na China afetará o mundo inteiro, em particular o Brasil, que depende bastante das vendas para o seu maior parceiro comercial.
Uma coisa é certa: a China não deve ser subestimada. Felizmente.
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