As inúmeras vantagens do “preço dinâmico”
Uber, Lift e Airbnb são exemplos comuns de negócios próprios de uma nova economia tecnológica compartilhada que transforma a participação em algo tão simples como tocar em um botão do smartphone. O consumidor se vê atraído pela variedade de produtos, facilidade de acesso e preços normalmente mais baixos oferecidos em uma plataforma de economia compartilhada, enquanto os provedores de serviços lançam mão de um método pouco convencional de ganhar dinheiro utilizando o que já possuem: seja um carro, uma casa desocupada ou algumas horas do seu tempo. Recentemente, porém, essas plataformas foram censuradas pelo uso do chamado “preço dinâmico” [surge pricing]. Quando a demanda aumenta, os preços baixam. Ruben Lobel, professor de gestão de operações, informações e decisões da Wharton, e Kaitlin Daniels, doutora pela Escola de Negócios Wharton, fizeram um estudo aprofundado sobre a questão do preço dinâmico e chegaram a resultados surpreendentes.
Preços dinâmicos podem ser uma bênção ou uma dor de cabeça para as empresas
No artigo “O papel do preço dinâmico em uma plataforma de serviços com capacidade de autoprogramação” [The Role of Surge Pricing on a Service Platform with Self-Scheduling Capacity], escrito em parceria com Gerard Cachon, professor de gestão de operações, informações e decisões da Wharton, os autores concluíram que o preço dinâmico é benéfico para o consumidor porque ajuda a subsidiar os preços dos períodos de menor demanda. O estudo é importante porque proporciona dados substanciais que podem ajudar os líderes a adotar decisões mais bem elaboradas em torno dessas plataformas, isto é, se devem ser reguladas ou até mesmo proibidas. Recentemente, Lobel e Daniels concederam a entrevista a seguir. Acompanhe.
Como vocês iniciaram os estudos sobre serviços que utilizam o preço dinâmico e o que descobriram de mais interessante?
Ruben Lobel: Há dois anos decidimos analisar o porquê da existência do preço dinâmico e como ele afeta o mercado, os provedores de serviços e os consumidores. Trabalhávamos em um projeto anterior sobre eletricidade que, de certo modo, era parecido porque analisava de que modo uma empresa poderia prestar serviços a vários clientes. A economia compartilhada é outro bom sistema à disposição das empresas para que possam centralizar uma rede de prestadores de serviços. No entanto, a característica mais singular desse mercado é o preço dinâmico. Ele chamou muito a atenção porque inúmeros consumidores se queixaram de manipulação de preços. Investigamos se foi isso de fato o que aconteceu. Esse foi nosso ponto de partida.
Kaitlin Daniels: Mostramos que o preço dinâmico é um bom mecanismo de coordenação desse sistema descentralizado. Uma característica fundamental do Uber é que fica a cargo dos condutores decidirem quando trabalham e por quanto. Isso foge do que estávamos acostumados a ver em uma relação típica de patrão e empregado. Normalmente, há uma empresa que contrata trabalhadores e atribui a eles turnos. A característica fundamental, pelo menos no caso do Uber, é que o preço dinâmico permite à empresa oferecer incentivos para que os condutores trabalhem quando o Uber quer. Portanto, o preço dinâmico é um bom mecanismo para a coordenação desse comportamento e maximização dos lucros da empresa.
Contudo, mostramos também que o preço dinâmico pode beneficiar o consumidor em casos específicos. Nossa análise recorre a um estudo de caso em que se exige do Uber que cobre um preço fixo. Comparamos os resultados junto aos consumidores nesse contexto com os resultados obtidos utilizando o preço dinâmico. Vimos que os mercados em que o consumidor não é atendido e em que vigoram o preço fixo ? por exemplo, em noite de chuva, quando é difícil conseguir um táxi ? ele é beneficiado pelo modelo de preço dinâmico como o do Uber. O preço dinâmico permite à empresa ampliar o serviço ao consumidor. Contudo, ele permite também que ela lhe ofereça preços mais baixos em um cenário de demanda normal como, por exemplo, em uma manhã típica de segunda-feira, e é essa precisamente a origem do benefício ao consumidor.
Lobel: A principal vantagem para o consumidor decorre de preços mais baixos em dias normais. Desse modo, os preços mais altos da véspera de Ano Novo compensam, de certo modo, as tarifas mais baixas de um dia normal. Podemos também vincular esse dado a diferentes cidades de características distintas. Um dos principais motivos pelos quais uma cidade pode não ter um volume suficiente de serviço em caso de demanda elevada, por exemplo, pode ser atribuído ao custo elevado de oportunidade para registro na rede de condutores em potencial. Uma cidade com muito pouco desemprego ou com um custo de vida alto é o tipo de local que tende a não atender aos mercados. É nesse contexto que o preço dinâmico beneficia mais o consumidor, já que é difícil conseguir provedores para essa rede. Em um mercado em que o desemprego é bastante elevado e há poucos condutores em potencial, o preço dinâmico consegue atrair um volume maior de consumidores distribuindo-os pela plataforma.
Na opinião de vocês, é possível que a economia compartilhada ganhe corpo?
Daniels: Sim. Nosso objetivo é que os resultados obtidos sejam aplicáveis de modo geral a outras empresas de economia compartilhada permitindo ao trabalhador decidir por si mesmo quando trabalhar e por quanto. Esse fenômeno é chamado de autoprogramação e representa as relações que muitas empresas têm com seus trabalhadores. Não há dúvida de que os meios de comunicação têm dado bastante atenção aos serviços de trajeto compartilhado. A Postmates [serviço de entrega de comida] é outra empresa que permite a seus funcionários se autoprogramar e oferece também uma política dinâmica de preços semelhante ao preço dinâmico. Há muitas economias compartilhadas em setores bastante distintos que recorrem a diferentes políticas de preços. Alguns exemplos mais conhecidos são a Airbnb e a TaskRabbit. Diferentemente de um hotel ou de um serviço de limpeza típico, os sócios da Airbnb e da TaskRabbit decidem quando e com que frequência pretendem alugar sua casa ou apartamento ou realizar tarefas domésticas para outras pessoas.
Lobel: Esse aspecto não é exatamente o objetivo do nosso estudo, mas o que temos observado é que os mais prejudicados pela chegada do Uber e da Lift são os proprietários de alvarás [de táxi], que são desvalorizados, e não os taxistas propriamente ditos, já que poderiam migrar para uma dessas plataformas se não tiverem alvará próprio. Nosso objetivo, porém, é lançar um pouco de luz sobre o efeito do preço dinâmico. Se uma empresa de táxis decidisse adotá-lo, que valor aportaria ao sistema? Ou seria essa uma decisão prejudicial para consumidores e provedores? Esse foi o objeto do nosso estudo. Poderia ser uma empresa de táxis ou plataformas como a da economia compartilhada. Esse aspecto concreto suscitou muita discussão nos círculos políticos. Por exemplo: deve-se proibi-lo? Procuramos demonstrar que não se deve proibir. Na verdade, ele gera benefícios e é um elemento-chave para a geração de valor ao sistema.
Ou seja, há vantagem tanto para a empresa quanto para os condutores do Uber.
Daniels: Exato. Em uma parte do nosso estudo, procuramos compreender, do ponto de vista do Uber, se é vantajoso dar a esses condutores flexibilidade para que estabeleçam seu próprio horário. Não levamos em conta as vantagens de ser um funcionário de tempo integral. Contudo, nossa pesquisa mostrou que os condutores são beneficiados com a possibilidade de organizar seu horário. Não apenas isso, já que o acordo também é benéfico para o Uber. Portanto, a empresa tem um bom motivo para manter seus condutores em regime de contrato independente.
Lobel: Estabelecer um horário próprio também é bom para o condutor. Grande parte dos condutores do Uber trabalha meio expediente e/ou em horários da sua escolha. Levamos isso em conta para tentar compreender especificamente o que aconteceria ao sistema ? tanto ao provedor como ao Uber, caso a empresa decidisse o horário em que os condutores deveriam trabalhar. Essa opção pode ser muito nociva para ambas as partes. Com relação à possibilidade de os condutores se sindicalizarem, não nos posicionamos a respeito. O que nos preocupa é que isso prejudicaria a autoprogramação. Se o Uber se tornar uma empresa que contrata condutores e se impuser a eles horários de trabalho, será pior tanto para as empresas quanto para os condutores.
Quando o preço dinâmico é vantajoso?
Daniels: O preço dinâmico é vantajoso sempre que a demanda for superior à de um dia típico. Por exemplo, em noite de jogo, em uma noite de muita chuva ou de variação sazonal. Um número maior de pessoas prefere usar o carro quando faz frio, pois quando faz bom tempo, muita gente prefere caminhar. Há também mais demanda na sexta-feira à noite do que na segunda à tarde. Em todos esses horários, seria vantajosa a aplicação de uma tarifa maior.
Lobel: Outra razão pela qual isso é vantajoso se deve ao fato de que há uma compensação em relação à baixa demanda dos dias normais. Observou-se que nos dias de muita demanda havia um número maior de consumidores que tentavam pegar um táxi e não conseguiam. Chamamos a esse fenômeno de racionamento da demanda. Se alguém pedia um serviço, e se o serviço era oferecido a preço fixo, a probabilidade era de que a pessoa não o conseguisse. Agora, porém, existe o preço dinâmico. Se a pessoa estiver disposta a pagar, a probabilidade de que consiga um carro é de 100%. Se o racionamento for extinto, isto é, esse procedimento aleatório, somente as pessoas que mais necessitam do serviço o obterão, o que permite ao consumidor um grau maior de bem-estar.
Um modelo de sucesso, não?
Daniels: Sim. Estou convencido de que a autoprogramação é atraente. Sou professor e uma das coisas de que gosto nessa profissão é a flexibilidade de horário, o que me permite apreciar seu valor. Creio que há muitas maneiras e muitos setores que poderiam ter essa flexibilidade. Ouvi falar de uma coisa muito interessante: a “uberização” da saúde. Com isso, os médicos visitariam os pacientes ou haveria um tipo de autoprogramação em relação à prestação de serviços no setor. Acho que isso seria muito bom se alguém imaginasse um meio de fazê-lo.
Quais as outras vantagens do Uber?
Daniels: No Uber, o consumidor faz uma avaliação do condutor, e vice-versa, coisa que não vemos na indústria de táxis. Sabemos que o Uber tem restrições muito rígidas em relação às tarifas médias cobradas pelos condutores. Se o preço das tarifas caírem muito, esses condutores podem ser expulsos do grupo. Uma coisa influencia a outra.
Lobel: Creio que há dois elementos que explicam a razão pela qual o Uber funciona tão bem. Um deles é a tecnologia. É o fato de que por meio de um clique no smartphone é possível conseguir um carro e acompanhar seu deslocamento. Muitos millenials [ou Geração Y, nascidos entre 1980 e 1990] se sentem atraídos pelo fato de que basta clicar, em vez de acenar para um carro na rua. Mas os táxis também podem fazer a mesma coisa. É o caso do Easy Taxi, por exemplo, que aplica a mesma ideia aos táxis. Portanto, esse aspecto da tecnologia não é de fato uma vantagem competitiva. Não é isso que vai levar adiante esse tipo de economia. O que tem realmente impulsionado esse modelo de negócio é a natureza da autoprogramação dos provedores de serviços e a possibilidade de aumentar os preços quando a demanda é alta. São esses os elementos que diferenciam realmente o Uber do modelo tradicional de negócios das companhias de táxi.
Daniels: Não sei se você observou, mas há concorrentes que anunciam explicitamente que não trabalham com o preço dinâmico devido à aversão do consumidor por essa metodologia. Essas empresas chegam inclusive a subsidiar o consumidor que foi vítima dessa política de preços para que migrem para o seu serviço.
Os millenials impulsionarão o crescimento desse mercado?
Daniels: Se os millenials se sentirem suficientemente confortáveis com o uso do Uber, em vez de ter um carro e dirigi-lo, creio que a indústria poderá se expandir como consequência do apelo desse modelo de negócio.
Lobel: Se pegarmos simplesmente os preços aqui na Filadélfia e formos do campus da Universidade da Pensilvânia até Rittenhouse Square, pagaremos entre US$ 7 e US$ 8 pela corrida de táxi. No Uber, o mesmo trajeto sai por US$ 5, de modo que o preço básico é subsidiado pelo dinâmico. Se você tentar fazer o mesmo percurso numa sexta-feira à noite, sairá mais caro pelo Uber, ou duas vezes o preço de um táxi. Estou trabalhando com números hipotéticos aqui, mas é isso que estamos tentando mostrar.
Daniels: Acho que parte da dificuldade é que o consumidor usa o preço básico como referência. Para ele, portanto, os preços sobem. Conversamos a respeito com o pessoal do Uber, mas eles, de maneira muito objetiva, preferiram chamar o preço dinâmico de preço mesmo, embora previssem que o consumidor não fosse responder muito bem a essa estratégia. Contudo, a ideia é que o preço dinâmico pareça ao condutor um aumento de salário, por isso mesmo ele atrai os condutores quando a demanda aumenta. Já nos habituamos a essa dinâmica de preços em outras indústrias, como as companhias aéreas, por exemplo. Pessoalmente, acho que o consumidor se habituará a ela. É só uma questão de tempo.
Lobel: Uma coisa para a qual não criamos um modelo foi a resposta comportamental do consumidor. A Lyft, por exemplo, limita o preço dinâmico a duas vezes o preço básico, e com isso procura agradar o consumidor farto dos aumentos e que poderia deixar de usar seus serviços. Todo aumento de preço implica uma possível perda de clientes. Contudo, como disse Kaitlin, à medida que as pessoas forem se acostumando, se familiarizando com isso, elas verão que o preço dinâmico é benéfico. É possível então que o efeito desse tipo comportamento diminua. Isso é uma coisa que as empresas estão pesquisando bastante. Elas estão tentando compreender as respostas comportamentais para que possam melhorar. Por exemplo, quando o Uber começou a usar o preço dinâmico, o consumidor se viu atingido por um aumento e ficou muito bravo. Agora, há medidas de verificação, e se o preço dinâmico for maior do que o dobro do preço básico, o usuário deverá digitar novamente o valor para ter certeza de que o leu corretamente e não pressionou o botão de aumento da tarifa por estar alcoolizado.
*Serviço gratuito disponibilizado pela Wharton, Escola de Administração da Universidade da Pensilvânia, e Universia, rede de universidades que conta com o apoio do Banco Santander.
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