Viver para compartilhar
Não gosto de certos rótulos. Um deles é o de "palestrante motivacional". De onde vem tamanha birra? Acho que data de meus primórdios em São Paulo, quando dividi o quarto de pensão com um sujeito que vendia enciclopédias. O segredo do negócio, segundo ele, era começar a segunda-feira com um discurso que empolgasse seu corpo de vendas mutante para que todos saíssem à rua munidos de seu melhor "instinto animal" – aquele mesmo que Rousseff tentou debalde despertar nos empresários que, gatos escaldados, estavam ali para ver o que havia de prática efetiva naquela conclamação atabalhoada. Assim, meu amigo dava uma carga de ânimo que se repetia semana após semana, com o intuito de que alguns dos 20 vendedores autônomos ali presentes, o surpreendessem com um pedido ao longo das vistas que fariam de porta em porta. Logo, esse tipo de anabolização meio "americana" não faz parte de meu repertório.
Tenho, contudo, que reconhecer, goste eu do rótulo ou não, que é de cunho bastante motivacional a intenção que me move quando vou falar a grandes e pequenas plateias sobre como construir um perfil profissional internacional a partir dos estímulos com que o universo intercultural nos brinda. Pois não é só na sala de aula que aprendemos os rudimentos das relações internacionais, da diplomacia e do jogo sinuoso dos paradigmas civilizacionais. É também, e sobretudo, viajando, desafiando a própria zona de conforto, estudando novas línguas e desenvolvendo aptidões para se conversar na rua e tirar das pessoas, a partir de seus pequenos ritos de vida, o melhor dos contornos daquela gente. Pois bem, não foi outra coisa que fiz na quinta e sexta-feira da semana passada, na ESPM-Sul, em Porto Alegre, onde falei e interagi com uma plateia das mais atenciosas. Durante duas sessões de três horas, fizemos uma varredura no cenário internacional e nada poderia ter me deixado mais feliz.
Por essas ocasiões, sempre digo que basta que nossa voz cale profundamente no coração de alguém, e boa parte da missão estará cumprida. Nesse contexto, já ao chegar ao Rio de Janeiro, deparei com vários e-mails de alunos e alunas lá presentes. Uma delas disse: "Eu gostaria, antes de tudo, de fazer alguns apontamentos em relação a tudo o que foi dito: necessito dizer que é muito, muito bom e essencial que tu estimules os jovens de hoje a não terem medo de se jogar no mundo; a serem corajosos e saírem de suas bolhas; a expandirem a sua zona de conforto, seja aprendendo uma língua diferente ou conhecendo qualquer outra cidade tão bem quanto a sua de nascença e vivência. Convivendo num meio bastante jovem, o que mais percebo nos meus colegas é exatamente isso: receio de conhecer mundo afora. Nesse sentido, também me identifiquei muito com o senhor, pois já senti esse medo; porém nunca foi um medo paralisante, que me fizesse me refugiar na minha zona de conforto; e também nunca fui extremamente apegada à família, me adaptando facilmente às diferentes culturas”.
Qual o objeto dessa minha pregação? Ora, a de que o mundo é um estuário de oportunidades. E não, contrariamente ao que muitos pensam, uma bateria de focos de ameaça que nos façam nos apequenar em nossos mundos. Para tanto, temos de exercer a prerrogativa inalienável de bisbilhotar além de nossa cultura e aos referenciais de origem. Ao fazermos assim, crescem muito nossas possibilidades de estar à vontade no mundo. É claro que nem tudo é tão simples assim. Não são poucas as pessoas que sofrem o que se chama do choque cultural reverso, ou seja, aquelas que se ressentem das diferenças ao voltar as referenciais de origem. Como diz outra aluna: "Quando fui à Alemanha, tive o prazer de, entre várias outras nacionalidades, encontrar brasileiros. E pude observar que a maioria sentia uma falta gigantesca do nosso país, não vendo a hora de voltar. Comigo, foi muito diferente; inclusive, me senti extremamente deslocada quando voltei, demorando alguns meses para conseguir realmente me readaptar".
Desafiar os jovens a pensar em como se adequar a essa pendularidade que, em última instância, pode abrigar a equação da felicidade é o que mais me move. Depois de tantas experiências vividas, vejo hoje que o que dá sentido a elas é poder compartilhá-las com quem poderá se valer de meus tropeços e acertos para inspirar seus próprios caminhos. Diz ainda a aluna acima, uma arguta poliglota e internacionalista de vocação: "Não pude deixar de refletir sobre esses pontos quando o senhor falou sobre como se sente confortável pelo mundo e um tanto quanto inquieto, até mesmo deslocado, quando parado no Brasil. Posso dizer, a partir das minhas experiências, que me sinto da mesma forma. Estou sempre à procura de passagens aéreas nos quatro continentes; sou extremamente curiosa e, também, amo a companhia de livros. Logo, ficar sozinha, para mim, não é um problema. Então, obrigada. Além de ser maravilhoso ouvir sobre diferentes culturas e como essas diferenças afetam os negócios, me senti, também, muito compreendida".
Pode haver sentimento mais gratificante? Seja, portanto, uma palestra motivacional ou inspiracional, o rótulo é, efetivamente, o que menos importa. O que conta é que tanto quem está com o microfone na mão quanto quem parece ter olhos e ouvidos ávidos por saber mais estejam em sintonia fina. Importante é que fico extremamente feliz em poder dar uma contribuição, mínima que seja, para ajudar as pessoas a achar seus caminhos. É, talvez, o ato de amor mais extremo a que consigo chegar. Dado o caráter pluridisciplinar dessa abordagem que envolve horizontalmente tantas áreas do conhecimento, reconheço ainda que imodestamente, que não é fácil criar um todo inteligível que faça sentido pedagógico e permita aos ouvintes refletir ativamente sobre seus próprios caminhos. Agradeço daqui, portanto, o professor Sérgio Wollmann por essa fantástica oportunidade e a todos os alunos que me brindaram com o carinho da atenção; a argúcia das perguntas e alguns dos depoimentos que pude reproduzir acima. Viver para compartilhar – antes de esse último termo se incorporar ao jargão do Facebook – parece ser esse meu destino.
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