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Washington Olivetto (1951-2024) costumava dizer que a sua geração foi a primeira a atuar na publicidade por escolha, diferentemente das anteriores, que chegaram à profissão por vias tortas, preferindo ter trilhado carreiras no cinema, na literatura ou nas artes plásticas. O italiano Oliviero Toscani, morto no último dia 13, poderia dizer o contrário: ingressou na publicidade justamente por abominá-la, ao mesmo tempo em que ambicionava transformá-la por dentro.
Fotógrafo, concebeu as lendárias campanhas da Benetton dos anos 1990, superficialmente rotuladas como "polêmicas", adjetivo fácil para evitar a discussão que levantavam. Como se não bastasse, escreveu um livro-manifesto contra a atividade, acusando-a dos piores "crimes" – colonização do imaginário, apropriação do tempo livre, criação infinita de desejos -, o que lhe angariou, obviamente, a antipatia de seus quase-colegas (repare a agressividade gratuita com que Francesc Petit, um dos próceres da propaganda brasileira, recebeu-o em um programa de TV - aos 20:45, aproximadamente).
Os publicitários, a propósito, nunca souberam lidar com Toscani. Sempre tão espertos em achar saídas para os problemas de anunciantes e atenuar os pecados do ofício que praticam, viram-se diante de um insider-outsider que revelava as mazelas do advertising vivendo dele – e que parecia blindado das críticas, por qualquer ângulo que se pudesse endereçá-las.
Senão, vejamos. Se Toscani investia contra a publicidade por razões sinceras, incorporava tão somente o papel de crítico valendo-se de um meio popular para disseminar sua opinião. Ponto para ele.
Se o fazia com cinismo e populismo, tirando proveito da estratégia para si e para seu cliente, estava apenas exercendo a virtude mais valorizada do ramo, a criatividade. Ponto também.
Se era um combatente autêntico recrutado pelo establishment para domesticar seu radicalismo, merecia o crédito de se apropriar pragmaticamente de uma oportunidade incomum - que outro ativista teria o orçamento de marketing da Benetton para espalhar suas ideias? A Adbusters, igualmente brilhante, nunca teve o alcance de qualquer peça de Toscani na grife italiana.
E, finalmente, se as campanhas eram melhores que os produtos, tão coloridos quanto convencionais, que elogio maior se poderia fazer a quem as concebeu e executou? Atrair a atenção para uma marca, independentemente de suas qualidades, não é o objetivo maior de um reclame?
Na fronteira entre a arte, a propaganda e o ativismo, Toscani escreveu uma das páginas da cultura pop do século 20 ao escancarar: as nuvens nunca foram de algodão.
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