Questão de classe
Veio a público no fim do ano passado, por meio das redes sociais, um vídeo em que uma professora de Ensino Médio de São Sepé (RS) bate boca com um aluno. Lá pelas tantas, querendo pretextar sabe-se lá que superioridade, ela inquire o garoto, em tom de desafio:
– Minha casa tem seis banheiros! Quantos tem a tua? Quantas casas tu tem? Quantos apartamentos na praia tu tem? Quantos carros tu tem? (notícia completa aqui).
Para quem trabalha com marketing, foi inevitável não associar a cena às perguntas do famoso Critério Brasil (CCEB), sistema de classificação econômica adotado pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, a ABEP. Geralmente aplicado no fim de questionários de pesquisa de mercado, o CCEB aloca o participante nas classes A, B, C ou D conforme a pontuação em questões sobre itens de posse, como aspirador de pó, televisor e automóvel. E inclui, sim, uma indagação sobre o número de banheiros do domicílio.
O motivo de insólita interrogação é relativamente simples. O CCEB parte do princípio, devidamente comprovado estatisticamente, de que renda e aquisição de itens de conforto estão correlacionadas. Assim, quem ganha mais tende a possuir uma casa maior, o que se traduz em mais aparelhos eletrônicos, eletrodomésticos, dormitórios e...banheiros.
É evidente que existem exceções a essa regra, de um lado e de outro do espectro econômico. Mas o CCEB é apenas uma média, uma referência de classificação útil e amplamente utilizada, visto que padronizada e periodicamente atualizada.
Mas por que não perguntar diretamente quanto a pessoa ganha, em vez de confiar em indicadores tão discutíveis? Bem, existem dois motivos principais. O primeiro é o constrangimento do respondente em revelar a própria renda. Trata-se de um traço cultural brasileiro acentuado pela desconfiança quanto ao destino dos dados da pesquisa. Em outros países, como os Estados Unidos, comentar quanto se ganha é mais natural – enquanto outras questões-tabu apareçam, mormente ligadas a religião ou origem étnica, e que são pouco relevantes por aqui.
A segunda razão é que, no Brasil, parte expressiva da população vive às margens do mercado de trabalho formal, auferindo ganhos variáveis, e pode simplesmente não saber, em média, quanto leva para casa ao fim de cada mês. Diante dessa incerteza, a simples contagem de objetos existentes no lar é uma alternativa fácil de aferição, ainda que imperfeita (leia esta antiga e interessante entrevista do economista Ricardo Neves a respeito).
No fim, a impostura da professora citada no início deste post não foi em vão: permitiu que discutíssemos um pouquinho de marketing no blog. Além de ter oferecido uma cena de humor involuntário que virou alvo da galhofa de dois estudantes que, do fundo da sala, assistiam à discussão fingindo se lamentar:
– A minha casa tem um (banheiro)!
Comentários: