Quando normalidade é boa notícia
Não se fala mais em “cinco frágeis”, o grupo ao qual o Brasil foi incluído por investidores estrangeiros no inicio do ano. O foco agora se move para a discussão sobre a profundidade e duração da recessão. O quadro preocupa, mas em pelo menos um aspecto é possível não ser tão pessimista com os próximos trimestres.
O Brasil foi considerado “frágil”, em boa medida pelo desequilíbrio das contas externas (saldo em transações correntes de -4,2% do PIB), assim como outros países que também tem o selo de “grau de investimento”: África do Sul (-5,4%), Índia (-1,4%), Turquia (-5,6%) e Indonésia (-2,9%).
A análise parecia desfocada, pois, apesar da deterioração das contas externas nos últimos anos, esse não é o calcanhar de Aquiles do Brasil, mas sim o desequilíbrio fiscal que ameaça as condições de solvência da dívida pública e o crescimento econômico. Além disso, o regime de câmbio flexível, apesar das intervenções do BC, deveria atenuar as preocupações com o desequilíbrio externo, pelo seu papel de ajuste das contas externas.
Aos poucos isso vai ficando claro. As válvulas da economia começaram a funcionar. Com a depreciação cambial em termos reais, houve inflexão do saldo em transações correntes, que registrou em junho déficit acumulado de US$ 93 bilhões, ante o fechamento do ano passado em US$ 105 bilhões. E conforme se consolide um cenário de maior estabilidade dos preços de commodities, e, portanto, dos termos de troca do país (preços de exportação/preços de importação), que já está em torno do patamar de 2007, o ajuste será mais rápido. Vale registrar que em 2014, caso os termos de troca tivessem se mantido estáveis em relação à média de 2013, tudo mais constante, a balança comercial não teria sido deficitária em US$ 3,9 bilhões, mas sim superavitária em US$ 5,2 bilhões.
Já do lado fiscal, enquanto a dívida pública bruta do Brasil esperada para este ano está em 65% do PIB, os “quatro frágeis” devem fecham com taxa média de 43%, sendo que a dívida brasileira é incomparavelmente mais custosa. A taxa Selic está em 14,25% ao ano, o dobro da taxa média dos demais. A agenda fiscal é difícil e a discussão sobre a ação estatal deverá dominar o debate político neste e nos próximos anos.
Com tal pano de fundo, o foco de curto prazo moveu-se para o momento de reversão cíclica do crescimento. Esse seria um ponto crítico para a melhora de percepção de risco do país e confiança dos agentes econômicos, principalmente à luz dos números recentes. Enquanto os outros “frágeis” cresceram 4,2% em 2014 e têm projeção média de 4,5% em 2015, pelo FMI, o PIB do Brasil registrou 0,1% em 2014, devendo encolher 1,8% neste ano, segundo o Boletim Focus do BC.
Uma parcela da recuperação cíclica deverá vir do setor externo. Não porque o setor externo é motor do crescimento – a economia brasileira é muito fechada para isso. Mas sim pelo seu impacto na dinâmica da indústria, que sofre com a perda de competitividade externa. O tempo corre a favor do ajuste externo. Demoram alguns trimestres para a depreciação cambial impactar as contas externas. Mas o ajuste já está em curso, e deve se aprofundar. Mais pelas importações e menos pelas exportações. As exportações são menos sensíveis a variações da taxa de câmbio. A demanda externa ou comércio mundial, que desacelera este ano, conta mais para explicar o comportamento das exportações. Mas isso não significa que o impacto do câmbio não seja relevante. A participação das exportações na produção da indústria de transformação tem lentamente aumentado, atingindo, segundo a CNI, 15,6% em 2015 ante o piso de 13,6% em 2010, quando o câmbio real efetivo atingiu seu patamar mais baixo.
Exportadores tradicionais já exibem importante aumento do volume exportado – produtos básicos (13% até junho ante mesmo período de 2014) e semimanufaturados (8%) – beneficiando esses setores da indústria. Para manufatura (0,5%), não há sinal efetivo de melhora. Mas isso não surpreende. Diferente do segmento de básicos e semimanufaturados, a manufatura é mais sensível a pressões de custos de
mão de obra, sendo menos beneficiada pela alta do dólar. Em termos mais técnicos, a taxa de câmbio de equilíbrio da manufatura é mais elevada que a dos setores exportadores tradicionais, onde o Brasil tem vantagem comparativa e a estrutura produtiva é menos penalizada por elevada carga tributária e alto custo de mão de obra e de serviços.
Ainda assim, alguns setores da manufatura ensaiam aumento do coeficiente de exportação (participação da exportação na produção); não apenas por conta da fraqueza do denominador (produção), mas também pela recuperação do numerador (volume exportado). É o caso de têxteis (aumento de 30% no volume exportado no primeiro semestre), produtos de metalurgia (20%) e alguns alimentos, como açúcar refinado (16%), suco de laranja (24%) e carnes processadas (12%). Por ora, são os setores já posicionados no comércio mundial que conseguem elevar exportações. De qualquer forma, o fato de reagirem à depreciação cambial já é positivo. Normalidade virou boa notícia.
Do lado das importações, os sinais parecem mais visíveis, ainda que insuficientes. A recessão ajuda a potencializar o efeito do câmbio, que neste caso é mais importante do que no caso das exportações. O volume importado registra recuo de 9% em relação ao mesmo período do ano passado, sendo que o movimento é generalizado entre as categorias de uso, com exceção de alguns bens de consumo não-duráveis cuja demanda é menos elástica (menos sensível a variações de preços, por serem bens mais essenciais), como medicamentos (+7%). O recuo das importações já contribui para equilibrar as contas externas, mas ainda é insuficiente para efetivamente ajudar a indústria. O índice de penetração de importações ainda está muito elevado, em 22% para a indústria, segundo a CNI, sem sinal de recuo. Ou seja, o efeito do câmbio na substituição do produto importado pelo doméstico não é visível. De forma geral, o volume importado cai em linha com o recuo da produção industrial. O máximo que se pode dizer é o coeficiente de importação parou de crescer.
Tanto para (alta) exportações como (queda) importações, avanços dependerão de recuos mais expressivos dos salários em dólar. Não basta a cotação do dólar em alta. É essencial que o real enfraqueça o suficiente para compensar o aumento do custo dos fatores de produção, principalmente salários. Por este aspecto, o aperto monetário já rende frutos, pois tem reduzido de forma importante os ajustes salariais em termos nominais. Não parece correto afirmar que os ajustes salariais mais modestos irão aprofundar a crise. Pelo contrário. Dado o problema inflacionário e de competitividade, esse fator está mais para solução do que problema.
Assim, provavelmente a volta cíclica do crescimento será puxada pelo lado da oferta, facilitada também pela ociosidade de fatores de produção – capital e trabalho. Boa notícia para o Banco Central. A taxa de câmbio depreciada não constitui estratégia de crescimento de longo prazo. Mas é uma válvula importante que deverá contribuir para a tão aguardada volta cíclica do crescimento, principalmente se seu ajuste for persistente e suave, sem penalizar a política monetária.
*Economista chefe da XP Investimentos.
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