PIB mais fraco e juros em queda: as perspectivas para a economia brasileira em 2024
A economia brasileira surpreendeu o mercado ao longo de 2023. Em janeiro, investidores e analistas esperavam crescimento perto de zero, inflação mais elevada e Selic em nível ainda mais contracionista. Para o ano de 2024, o cenário parece menos nebuloso, com uma inflação mais benéfica, menos dúvidas sobre a política fiscal e a conjuntura internacional trabalhando a favor do desempenho brasileiro. Por outro lado, o PIB forte de 2023, puxado pela agropecuária, não deve se repetir no próximo ano. "O crescimento deve cair de 3% para 1,5%, mas a composição muda bastante. A inflação deve seguir num patamar parecido, mas com composição bem diferente, muito mais benéfica. É uma virada de 180 graus", avalia Flávio Serrano, economista-chefe do Banco Bmg.
Apesar do ciclo de forte aperto monetário no Brasil, que levou a Selic a 13,75% ao ano até agosto deste ano, a economia reagiu de maneira defasada em 2023, explica Serrano. Assim, houve um desempenho bastante forte no primeiro semestre – puxado principalmente pela agropecuária. O terceiro trimestre já mostrou uma desaceleração, e os últimos três meses do ano também mostram maior fraqueza da atividade. O país entra em 2024 seguindo essa tendência de desaceleração. Isso fica claro nas expectativas mostradas na pesquisa Focus, que projeta uma redução do ritmo de crescimento do PIB para 1,51% em 2024, de 2,92% em 2023. Além disso, segundo Serrano, há uma clara mudança na composição do PIB para o ano que vem. O resultado da agropecuária, que no acumulado do ano até o terceiro trimestre cresceu 18,1%, foi o grande driver de 2023, não deve se repetir nos próximos 12 meses. "2024 é um ano muito pior para a agropecuária, na comparação com 2023. Enquanto isso, o consumo das famílias e o setor de serviços devem acelerar", projeta Serrano.
Sérgio Goldenstein, estrategista-chefe da Warren Investimentos, aponta ainda outro fator que pode pôr freio ao crescimento do ano que vem: o mercado de trabalho. Segundo ele, a expectativa é de uma menor geração de vagas formais e um aumento do desemprego, reflexos da política monetária restritiva. Ainda, outro fator que contribuiu em 2023 não estará mais presente no ano que vem: com o processo de desinflação, a renda real aumentou. "O crescimento de 2023 é atípico, muito acima do potencial, estimado em 1,5%. A agropecuária foi forte, mas não vai conseguir entregar a mesma contribuição em 2023. Pelo lado da demanda, tivemos uma grande surpresa positiva no consumo das famílias, que vai continuar contribuindo positivamente, mas o mercado de trabalho deve moderar levemente. Então, olhando tanto pelo lado da oferta quanto pela demanda, é muito improvável que a gente consiga ter o mesmo desempenho desse ano", argumenta Goldenstein.
Juros mais baixos, mas ainda em terreno contracionista
Desde agosto, o Banco Central vem reduzindo gradualmente o nível da Selic, num ritmo de 0,5 ponto porcentual a cada reunião do Copom. Apesar da queda, o nível continua no território contracionista, em 11,75%. A grande questão agora é se a autoridade monetária vai manter o ritmo de cortes em 2024, e principalmente até onde vai a taxa. De um lado, o Fed mais dovish nas últimas semanas e a perspectiva de que os juros nos Estados Unidos vão começar a cair no primeiro trimestre ajudou a abrir mais espaço para cortes no Brasil, mas a desancoragem das expectativas jogou contra, afirma Serrano. Por isso, o economista acredita que o BC deve manter o ritmo de cortes em 0,5 ponto percentual. No Bmg, a expectativa de Selic terminal é entre 9% e 10% ao ano – ou seja, ainda num patamar restritivo, acima do juro neutro da economia brasileira.
A Warren projeta uma Selic terminal em 9%, uma taxa ainda "levemente contracionista", diz Goldenstein. "A princípio, o BC tem espaço para cortes, primeiro porque o nível atual é ainda muito contracionista. Além disso, a inflação deve continuar com trajetória favorável e composição benigna, e por último, por um esperado arrefecimento da atividade e do mercado de trabalho", explica. Existem, no entanto, dois riscos que serão monitorados: o de uma reversão do ambiente externo e a execução da política fiscal.
O ano de 2023 começou com grandes incertezas sobre a condução da política fiscal pelo governo Lula. Com a divulgação do arcabouço, no primeiro semestre, as preocupações se dissiparam, mas ainda há riscos sobre a execução da nova regra fiscal, ainda que a meta para o resultado primário tenha sido mantida em zero, por hora. "O mercado já espera um déficit primário no ano que vem, em torno de 0,8%, o risco é de ser maior do que o precificado. Há ainda o risco, mais importante, de uma mudança da meta, o que enfraqueceria o arcabouço fiscal", aponta Goldenstein.
As expectativas para o IPCA em 2023 e 2024 podem enganar e fazer pensar que o cenário é similar. Afinal, as projeções apontam que sairemos de uma inflação de 4,51% este ano para 3,93% no ano que vem. Mas a abertura do índice mostra uma história diferente. "O nível é similar, mas a composição da inflação do ano que vem é muito melhor", destaca Serrano. Se em 2024, houve uma forte pressão dos preços administrados, de serviços e de bens industriais e deflação de alimentos, a situação deve se inverter em 2023. "A alta de administrados em 2023 veio da recomposição de impostos, que não deve se repetir em 2024. Além disso, no lado da inflação de bens industriais, o câmbio está favorável e a perspectiva é de uma deflação mundial. E vemos também os serviços desacelerando, o que é muito importante para o Banco Central [na decisão sobre a continuidade do ciclo de corte de juros]", afirma Serrano.
Por outro lado, os preços de alimentos, que sofreram deflação em 2023, devem pressionar o índice de inflação para cima em 2024. Isso porque o El Niño pode afetar as safras agrícolas. "Para o ano que vem, projetamos uma aceleração vinda de preço de alimentos, por causa do El Niño, que pode afetar a produção agrícola. Mas abertura vai ser benigna", concorda Goldenstein, da Warren. Para a trajetória do dólar, os economistas se mostram mais otimistas, por conta dos bons resultados registrados pela balança comercial brasileira nos últimos meses. No ano até o mês de novembro, a balança comercial acumula superávit de US$ 89,2 bilhões, com exportações de US$ 310,6 bilhões e importações de US$ 221,3 bilhões, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
"Temos uma visão bastante otimista com relação à trajetória do câmbio. Nesse ano, teremos uma balança comercial recorde, e com um fluxo comercial contratado muito forte. Temos a entrada líquida de US$ 24 bilhões, o que não acontecia há muito tempo no Brasil", diz Goldenstein. "Essa entrada de dólares no mercado à vista ajuda bastante o real e faz cair o prêmio de risco", afirma o estrategista-chefe da Warren, que projeta espaço para a taxa se aproximar de R$ 4,50, "se o fiscal não atrapalhar, e se o mercado externo continuar favorável".
Saldo deve continuar positivo
Para o próximo ano, a perspectiva é de uma redução das exportações, prevê Serrano. No entanto, com a menor demanda do lado do consumo doméstico, a projeção também não é de alta de importações. Isso significa que o resultado líquido deve seguir forte. "Apesar da queda [no resultado líquido], isso não deve ser suficiente para mudar muito o câmbio. A balança vai continuar sendo um input muito positivo para a moeda, então esperamos um câmbio bem comportado". A expectativa do Bmg é de que o dólar gire entre R$ 4,90 a R$ 5,10 no próximo ano. Um fator relevante, diz Sérgio, é que o fortalecimento da balança comercial brasileira é visto como estrutural. "Tivemos superávit no petróleo, o que vai aumentar. A estimativa é de que o Brasil será o quinto ou sexto maior produtor da commodity no fim da década. Junto com isso, tivemos uma forte expansão da produtividade agrícola desde 2000. Isso fundamenta uma balança bastante superavitária nos próximos anos", finaliza.
Com Redação da B3
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