Os diplomas do ministro
De Paris (França)
Eu fiquei com muita pena do ex-quase ministro da Educação que se complicou, sem necessidade, ao apresentar credenciais curriculares que não correspondiam à verdade. Daqui de meu exílio sanitário, confesso que preciso me ocupar com coisas que me estruturem a rotina, e que abram um mínimo de perspectiva para o amanhã. Daí que nem sempre tenho acompanhado os dossiês atabalhoados de Brasília. E, no entanto, neste caso específico, pelo menos duas pessoas cuja opinião muito respeito, disseram ter tido uma boa impressão inicial do Decotelli. "É o único cara do governo que sorri, que demonstra o mínimo de simpatia." Além do mais, sendo negro, dava legitimidade a uma aspiração nem sempre bem calibrada pelos ativistas/oportunistas.
Horas mais tarde, começou a operação da desconstrução da persona pública do ocupante. E por que ter pena de um sujeito que comete falsidade ideológica? Por várias razões. Primeiro porque ele não precisava forjar credenciais que não tinha porque o bom desempenho na função não dependia disso. Segundo, até a semana passada ele era certamente um homem feliz, bem encastelado no que quer que fizesse para ganhar a vida. Doravante despertará como um homem amargurado, submetido ao ridículo, e perderá um pouco de sua capacidade de sorrir. Terceiro, nem que ele tivesse feito só o jardim da infância, seria melhor ministro do que o anterior, que além de histriônico, ganhou um lugar único no panteão do ridículo. Para que mentir? Só se for uma patologia. E se é o caso, também merece pena.
Pegando o gancho dessa nomeação manquée, passa da hora de o brasileiro saber que essas pavonices de pouco servem fora do mundo acadêmico. E que este universo, a exemplo do mundo dos escritores, por exemplo, vive para dentro, com uns jogando confetes nos outros, ou então se digladiando por dinheiro e vaidade. No Brasil, faltam bons chaveiros, eletricistas, marceneiros, mestres de obra, funileiros – e sobram mestres e doutores, alguns deles de faculdades lamentáveis, que ficam muitas léguas atrás de um segundo grau razoável. De vez em quando, a gente vê caras que em dez anos percorreram da graduação ao doutorado, alimentando um sistema que só impressiona incautos. Afinal, ninguém é obrigado a gostar de estudar, e de buscar realização entre livros. No mundo prático, pode até ser um grande fiasco.
O mérito principal da faculdade, para a grande maioria, é fazer network – como fez Zuckerberg, o grande operador do Facebook –, e ganhar amigos para o amanhã. Pessoas que possam exercer influência positiva no seu destino. O mais é um exercício de paciência para preencher formulários, o que tempera humildade, e para colar nas provas, o que testa a perseverança e a capacidade de improvisar. A maioria dos professores é enfadonha, especialmente no Brasil. Resta aproveitar bem os que não são. Bill Gates fez 1590 de 1600 possíveis pontos para entrar em Harvard. No terceiro ano, caiu fora e foi mudar o mundo. Steve Jobs não aguentou nem três semestres. A imensa maioria dos homens que fizeram a História, nem sabia da existência de universidades que, frequentemente, são meras ficções jurídicas.
Por fim, vale dizer que a Casa Civil da Presidência, a exemplo de muitos endereços de Brasília, está emaranhada de forma tal em pendengas políticas que cochila justamente onde deveria estar desperta e vigilante. É função dela colocar o candidato a ministro no canto da parede e perguntar se ele está blindado. Simular um interrogatório cruel que reproduza tudo sobre o que ele possa vir a ser questionado, sabatinado, incriminado ou acusado. Para só depois liberar a nomeação. É tudo tão básico. Era de se julgar que depois de Lula, que, problemas de estilo à parte, não precisou dessas credenciais para se legitimar, isso tivesse ficado para trás. Siderado pelo modismo brasileiro de vender diploma a granel, agora ficou tarde para consertar o faux pas. E lá se foi o único homem sorridente.
É o homem que faz o doutorado, e não o doutorado que faz o homem. A menos que ele seja um oportunista. A gente vê a consistência do doutorado alheio, aliás, com cinco minutos de conversa. Só o Decotelli não percebeu.
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