O incompetente motivado
O saudoso ex-governador Eduardo Campos, falecido há pouco mais um ano, era um rapaz de grande charme e, quando queria, de fino senso de humor. Administrador prendado e arguto conhecedor da alma humana, Eduardo era especialmente mordaz quando, entre amigos, pincelava sem piedade algumas das figuras do alto escalão de Brasília.
Conversando com meu amigo Artur, ex-cônsul da Armênia em São Paulo, e exímio observador do cenário político, falávamos desse pernambucano durante uma agradável caminhada pelas ruas da velha Varsóvia, semana passada, na entrada do outono. Para uma cidade que foi arrasada à razão de 98% ao cabo da Guerra, o que se vê hoje é bastante animador – parques, edifícios modernos e o empenho em manter o legado da História.
Voltando a Eduardo, eu dizia a Artur que era muito peculiar seu estilo narrativo. Os sujeitos incompetentes, dizia, normalmente se furtam às tarefas árduas e desafiadoras. Faltam ao trabalho ou chegam tarde. Esquivam-se das missões espinhosas e contam as horas para que o dia acabe e possam retomar a vida num terreno onde a falta de aptidões não os torne alvo fácil da chacota e maledicência. E – fingindo que trabalham – assim levarão a vida até a aposentadoria.
Perigoso, contudo, é o chamado incompetente motivado. Pois este é inconsciente do estado real. Assim, é dos primeiros a chegar e o último a sair do escritório. Se as vendas estão lá embaixo e as finanças ruins, ele abre um sorriso e adotará medidas ditas heterodoxas. Trocará a mobília do escritório, instalará novo sistema de refrigeração e parte para renovar a frota dos gerentes. Chama essas ações inoportunas de "dar uma chacoalhada no pessoal".
Nesse contexto, o alvo preferido de Eduardo na administração federal era uma mulher de altas funções e baixo discernimento quanto a eleger prioridades. Péssima comunicadora, sem capacidade de persuasão e inexperiente nas lides da grande política, Eduardo dizia que ela era a encarnação da incompetente motivada. E isso porque ele faleceu antes de vê-la se exceder na performance. Artur riu de chorar com a analogia. Mas, sem dizer quem era, acrescentei outro traço.
Pois dela ele também dizia ser uma craque na política das caixinhas. O que vem a ser isso? Não é o que você está pensando. É o seguinte: há 40 caixinhas e cada uma tem uma tampa distinta. Ela vai abrindo-as segundo os dizeres da etiqueta: "Monotrilho"; "Infraestrutura portuária"; "Pré-sal"; "Eletrobras" e assim por diante. Sem saber o que fazer com miríade de agendas, ela se enraivece, desiste de todas e não fecha nenhuma – de tão atrapalhada que fica. Ele riu com vontade.
Era hora de Artur me levar ao aeroporto Chopin, na capital polonesa. Então ele arrematou: tinha sido por isso que desistira da atividade diplomática do país dele. Setor público é assim mesmo. Fluente em armênio, português, russo e inglês, hoje é um próspero homem de negócios e acha que está no país certo para construir o futuro. Na capa do celular, uma bandeira do Brasil – vestígio de uma saudade. Na despedida, um abraço forte: coragem, irmão, vocês ainda vão sair dessa.
Veja mais notícias sobre Brasil.
Comentários: