O dia em que Marco Antonio Villa virou notícia
Sou uma pessoa que tem horror a qualquer tipo de censura. Ainda criança, quando falava coisas consideradas inconvenientes e via os adultos arquearem as sobrancelhas, já ficava irritado. Pior ainda, quando mamãe me dava um beliscão tão discreto quanto possível, era sinal de que eu mais uma vez passara dos limites. Na minha cabeça porém, dizer o que queria era uma espécie de valor absoluto. Por que a farsa? Por que o embuste? Por que algo menos do que a verdade, se somos todos iguais, se todos vamos morrer e se o cerceamento da liberdade de opinar é a mais odiosa das castrações? Era assim que pensava. E, em certo sentido, pouco mudei. Daí minha perplexidade inicial com a suspensão de Marco Antonio Villa (foto) da Rádio Jovem Pan.
Nesse contexto, é óbvio que não gostei nada da notícia. Muito menos se tivesse sido por pressão do Planalto, como se cogitou. Ouvinte ocasional da estação, observo bem o estilo do professor. É claro que tudo é mais fácil quando conhecemos previamente a obra do personagem – se há uma. E no caso de Villa, há uma profusão de livros interessantes e bem documentados, o que atesta que se trata de um historiador de grei. Até uns anos atrás, divertia-me vê-lo às turras na TV Cultura com o ex-deputado Airton Soares. Imagino que datem daí seus inícios na comunicação de massa, ofício que abraçou com denodo. Isso dito, sem entrar no detalhe da pauta, tenho a observar os pontos que seguem. Na Pan, ou fora dela, Villa pode refletir a respeito.
a) Sobre a irritabilidade – Villa é de longe o mais preparado comentarista de seu corpo de pares. O protagonismo lhe cabe e há uma espécie de acordo tácito para que os demais funcionem como "escada" – no jargão humorístico – para que ele brilhe. Mas o papel de prima-dona o leva a transbordamentos e a explosões ególatras. Com isso, não raro perde a simpatia do ouvinte e dos colegas;
b) Ser o "bom" – O fato de ter o tal olho bom em terra de cego, investe o titular de uma aura de indestrutibilidade, de pura "hubris". Com um microfone à boca e fechado num estúdio, ele perde conexão com a rua, com milhões de pessoas que de seus carros, acompanham perplexas algumas circunvoluções verbais que podem soar acintosas, desproporcionais e arrogantes;
c) Indignação – É bom que Villa tenha mantido intacta sua capacidade de se indignar. No caso dele, nada indica que seja uma indignação de fachada, fingida para turbinar a audiência. Mesmo assim, um Lexotan antes de ir ao ar não lhe faria mal. A ânsia em se mostrar o mais preparado e o menos sujeito a manipulações, o vulnerabiliza. Daí o choque dele com o afastamento;
d) O que é Villa? – Villa jamais poderia ser locutor de rádio. Villa é um comentarista de bom ferramental para o exercício do ofício. Mas o que ele quer mesmo ser é um polemista...com ele mesmo. Ele quer a aura de xerife do repórter policial, o moralismo do pastor, a dinâmica do narrador de futebol e a popularidade das celebridades. Ele quer ser notícia. Pelo jeito, conseguiu;
e) O futuro de Villa – Tem gente que depois de certo estágio, tem a primazia de cair para o alto. Ainda é o caso de Villa. Mas antes que ele tenha que juntar forças com Willliam Waack – outro gigante – e virar youtuber, ele pode tratar de ser mais substantivo e dosar nos adjetivos. A menos que queira se tornar político, o que duvido. Uma reprimenda é uma honra. Direita e esquerda são iguais.
Por fim, é óbvio que Villa já se deu conta de que, a exemplo dos personagens de que fala, o discurso iconoclasta é o que rende dividendos. Mas agora ele está purgando o susto de perceber que fazer opções é tudo nessa vida. Almejar o melhor dos mundos é legítimo, mas nem sempre funciona. Na dúvida, relembre Drummond: entre dois adjetivos, escolha um substantivo.
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