O consumo da cultura
O termo “cultura” pode assumir dois significados: o conjunto de valores e ideias de um determinado grupo de pessoas; e as manifestações artísticas e o conhecimento humanístico acumulado por uma sociedade. Nesse segundo caso, costuma-se distinguir a cultura popular da cultura erudita. A primeira é dotada de conteúdo mais facilmente assimilável. A segunda, mais elaborada, demanda um esforço de compreensão e apreciação que se constrói ao longo do tempo. Por essas diferenças, diz-se que a indústria cultural concentra seu interesse sobre a cultura popular, que envolve menos riscos comerciais.
Porém, esta década de 2010 vê surgir, no Brasil, um fenômeno interessante: o da popularização da filosofia. Refiro-me ao sucesso de acadêmicos da área que, através de livros, palestras e aparições na mídia (na foto, o filósofo Luiz Felipe Ponde entrevistado no programa The Noite, do SBT) têm se tornado figuras conhecidas do grande público (saiba mais aqui e aqui). Seu mérito: atrair pessoas de formação profissional diversa e background cultural idem, com a proposta de oferecer o prazer do aprendizado voltado unicamente ao interesse pessoal, livre das pressões do ensino obrigatório.
Dificilmente esses produtos de difusão da filosofia ganhariam corpo se não fizessem concessão à lógica do mercado. A construção social dos desejos de consumo, precisa abranger também a cultura para que esses palestrantes e autores floresçam e se mantenham. Trata-se de um jogo de mútua concessão: o cidadão comum cede ao experimentar pílulas de erudição, a qual não estava habituado; e parte da intelectualidade concorda em vergar-se à lógica do consumo na tentativa de despertar o interesse por certos assuntos e disseminar seu conhecimento.
Por isso, o consumo da cultura só pode vigorar em uma sociedade em que há uma cultura do consumo (“cultura” entendida, desta vez, na primeira acepção descrita no início do post). Numa sociedade, portanto, em que as relações entre pessoas, saberes e instituições são mediadas pelo mercado, e na qual quase não existe limite a quem possa consumir e ao que possa ser consumido.
O entusiasmo com que alguns acadêmicos têm se envolvido nesses novos projetos possivelmente sinalize o desejo pelo almejado reconhecimento público que a exclusiva dedicação à vida universitária inviabiliza. É provável que a vaidade de se sentir demandado e valorizado pelo conhecimento acumulado em toda uma trajetória profissional funcione, sim, como um apelo irresistível. Ficaria caracterizada aí também a sedução do mercado e do consumo; além de atrair alunos interessados em conhecimento e verniz cultural, obtém a adesão de professores em busca de “holofotes” mais potentes que os da vida acadêmica.
Ou seja, o fenômeno da “filosofia para todos” não ocorre em um vácuo. Ao contrário, sinal claro de que o mundo do consumo dialoga com a sociedade, seus valores, suas ideias e transformações. Dialoga com sua cultura, em resumo – nos dois sentidos que a palavra pode assumir.
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