O papel do Sul no futuro da alimentação mundial

O setor agrícola tem acompanhado de perto as previsões da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), referente ao número de pessoas que habitarão o planeta em 2050 e a como esse contingente será alimentado. Seremos 9 bilhões ...
Colheita de Grãos

O setor agrícola tem acompanhado de perto as previsões da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), referente ao número de pessoas que habitarão o planeta em 2050 e a como esse contingente será alimentado. Seremos 9 bilhões de pessoas, quase 2 bilhões a mais, e será necessário aumentar em 60% a produção de alimentos.

Esses dados interessam ao Brasil, pois para a FAO o país será responsável por suprir 40% do aumento da demanda global até 2050. De recente importador de alimentos, o Brasil é hoje o segundo colocado em exportações de commodities agrícolas e tem todas as condições para liderar o ranking, e vir a alimentar países de continentes com problemas crônicos de fome, a exemplo da Ásia e África.

O Brasil já avançou muito em termos de redução da fome: saímos do mapa da fome em 2014 e, atualmente, menos de 5% da nossa população enfrenta problemas de insegurança alimentar. Há 15 anos, mais de 20% da população brasileira era afetada pela insegurança alimentar. 

No entanto, essa não é uma realidade global. Estima-se que 795 milhões de pessoas sofrem hoje com a desnutrição no mundo, das quais 526 milhões estão no continente asiático. Somente na Índia, 72 milhões de crianças apresentam desnutrição crônica e 1,4 milhão de crianças morrem anualmente antes de completar 5 anos de idade. Se olharmos para as mulheres, 60% delas sofrem de anemia. Já na região subsaariana do continente africano a situação é ainda pior: cerca de duas em cada quatro pessoas sofrem de desnutrição. Isto é metade da população de grande parte dos países do continente. 

Mas, apesar dos números alarmantes de fome no mundo, estudos recentes desenvolvidos pela FAO revelaram que uma terça parte de tudo que é produzido na agropecuária é perdido ou desperdiçado ao longo da cadeia produtiva e pelos consumidores finais. Estima-se que o Brasil esteja entre os 10 países que mais desperdiçam alimentos no mundo, com um índice que oscila entre 30% e 50% de toda a produção, considerando aspectos que vão desde a colheita, passando pelo transporte, distribuição via setor varejista e chegando até a fase de conservação em nossas residências.

Como podemos ser um dos protagonistas na produção de alimentos, considerado celeiro do mundo e, ao mesmo tempo, apresentarmos índices tão altos de perda e desperdício? As razões vão desde o mau uso ou a falta de tecnologias na produção, passando pela infraestrutura inadequada de transporte e de armazenamento, até uma preocupação excessiva com a aparência dos produtos e a falta de educação alimentar. 

As perdas estão concentradas no início da cadeia produtiva (produção agropecuária, armazenagem, transporte e processamento) e ocorrem em função de deficiências na infraestrutura, equipamentos e tecnologias inadequados ao manejo ou projeções de mercado que não se verificaram. O desperdício, por sua vez, está mais concentrado no fim da cadeia produtiva, especialmente relacionado a maus hábitos de consumo em restaurantes, lares, bem como em processos de comercialização. 

Já a estética dos alimentos está enraizada no preconceito. Ao comprarmos frutas, legumes e verduras levamos em conta o tamanho, formato, cor e origem, o que contribui para um desperdício exacerbado e sem fundamento, pois muitas vezes desprezamos alimentos de boa qualidade em razão de sua aparência. 

O mundo espera que o Brasil continue em ritmo acelerado de produção e que perpetue a agricultura dinâmica, fornecedora de alimentos. Por outro lado, para garantir e fortalecer a segurança alimentar do país, também espera que mantenhamos as bases na agricultura familiar, que hoje representa cerca de 60% a 80% da cesta das famílias. Apesar de algumas áreas afetadas por secas e enchentes, 2014 foi um bom ano agrícola, com produção de quase 200 milhões de toneladas de grãos, o que só evidencia nossa vocação de nação agrícola. 

Nesse cenário, o Sul do Brasil tem figurado ao longo de décadas como protagonista, já que desde sua colonização tem as bases no setor agropecuário. Prova disso estão nos números: somente Paraná e Rio Grande do Sul devem responder por quase 34% da produção total de grãos na safra 2014/15 no país, o que inclui culturas como arroz, aveia, canola, feijão, milho, soja e trigo, entre outras, de acordo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Dados como esses reafirmam todo o potencial exportador da região e um exemplo positivo quanto à sustentabilidade, que valoriza os pequenos produtores via um sistema cooperativista dos mais estruturados, organizados e funcionais de todo o planeta. 

Porém, em todo o país, a falta de tecnologia, infraestrutura e maus hábitos culturais alimentares já foram incorporados às práticas comerciais dos agentes econômicos. As perdas do campo à mesa reduzem os ganhos dos agricultores e da indústria, pois há menor quantidade de alimentos disponíveis. Sem falar nas perdas por baixa qualidade ou falta de eficiência no processo produtivo.

Para mudarmos o panorama do desperdício X fome de maneira global é necessária uma força-tarefa multisetorial, tendo como pontapé inicial o reconhecimento dos problemas e a conscientização. É preciso ainda elaborar metas factíveis para a redução do desperdício, combinando aspectos culturais e econômicos, bem como desmistificar o que é um alimento saudável e orientar melhor o consumidor. Nesse contexto, o setor agrícola tem papel primordial no desenvolvimento de tecnologias que atendam a esta demanda, especialmente no tocante do aumento de produtividade, produzindo alimentos de forma sustentável, sem necessariamente expandir as fronteiras agrícolas. Assim, é fundamental a valorização do trabalho do agricultor brasileiro, que vem atuando com resiliência na busca do aumento sustentável da produtividade.

Além disso, precisamos incentivar a cocriação – e manutenção – de programas estruturados entre governos, empresas e toda a sociedade. Estamos convencidos de que as respostas para os desafios globais estão na interação entre o campo, a indústria e a sociedade. 

*Vice-presidente Sênior da Unidade de Proteção de Cultivos da BASF para a América Latina.

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