Produtores de SC e de SP sugerem fundo nacional para promoção do vinho

Como o Portal AMANHÃ antecipou, a União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), com sede no Rio Grande do Sul, passará a gerir os recursos do Fundo de Desenvolvimento da Vitivinicultura (Fundovitis), ainda que outras associações tenham tentado se apr...
Produtores de SC e de SP sugerem fundo nacional para promoção do vinho

Como o Portal AMANHÃ antecipou, a União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), com sede no Rio Grande do Sul, passará a gerir os recursos do Fundo de Desenvolvimento da Vitivinicultura (Fundovitis), ainda que outras associações tenham tentado se apropriar da linha de fomento. A assinatura do termo definitivo deve ser efetivada ainda nesta semana ou, mais tardar, na próxima. A informação foi confirmada por Covatti Filho, titular da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul. “Agora a questão está sendo avaliada especificamente por técnicos, pois o tema já saiu da seara política. Bastará, então, a Uvibra apresentar seu plano de trabalho para que seja assinado o termo”, detalhou Covatti Filho. O objetivo é que o documento já esteja assinado antes do final deste mês. O valor, que totaliza cerca de R$ 12 milhões, está travado na conta do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), entidade que não pode utilizar o dinheiro em função de questionamentos e alegações de improbidade apontadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) em relação à prestação de contas do período 2012-2016. No dia 21 de agosto, AMANHÃ adiantou com exclusividade os bastidores da crise do Ibravin (clique aqui para ler a reportagem). 

Ainda que a novela iniciada há pelo menos dois meses esteja perto de seu desfecho, o destino do fundo e as estratégias que a Uvibra pretende colocar em prática seguem sendo alvo de críticas de vários elos da cadeia vitivinícola. A começar pelo fato que o setor jogou pela janela a chance de, realmente, trabalhar em sinergia com todas as entidades. "Desde a fundação do Sindicato do Vinho em Caxias do Sul, no início do século passado, o maior desafio tem sido a união do setor vitivinícola. A partir dos anos 1970, as divergências ficaram mais claras. Uma instituição foi dominada por grupos estrangeiros que não tinham o menor cuidado com o desenvolvimento do vinho brasileiro. A associação que surgiu como contraponto defendia apenas as vinícolas, e os produtores de uva ficavam na míngua”, recorda um diretor de uma entidade de classe ligada ao segmento. “O Ibravin – um instituto reunindo as entidades representativas do setor – foi a única tentativa verdadeira de lavar a roupa suja em casa para dar algum norte para o setor. Porém, sempre sofreu ataques, movidos pelos sentimentos mesquinhos e por disputas pequenas, e por isso nunca conseguiu atingir o nível de profissionalismo necessário para alavancar os vinhos do Brasil. Mas há de se dizer que se o Ibravin avançava muito lentamente, o seu fim representa um retrocesso de, no mínimo, 20 anos na organização setorial”, lamenta o mesmo dirigente.

Ainda que o Ibravin esteja totalmente fora do páreo, restam contestações sobre algumas iniciativas levadas adiante pela entidade. A promoção internacional do vinho brasileiro em feiras no exterior é uma delas. Na visão de um industrial, a lógica é simples: se o vinho nacional não consegue ser competitivo em seu mercado interno, como será lá fora? De acordo com o empresário ouvido por AMANHÃ, aportes feitos para feiras em países como os Estados Unidos e a Inglaterra não trouxeram resultado algum para a cadeia vinícola nacional. “O Brasil não tem tradição [de consumir] vinho. Pode mudar, mas levará um tempo ainda. Por isso, temos de cuidar do nosso mercado que estamos perdendo. Investimos energia viajando o mundo enquanto os concorrentes invadem nossa casa”, argumenta. O Chile, alerta ele, tem optado por uma estratégia de fazer com que os preços sejam ainda mais competitivos em relação aos rótulos verde-e-amarelos. No andar da carruagem, a participação dos vinhos chilenos no mercado brasileiro, em volume, já é significativa e tem ficado ainda maior: passou de 32,2% em 2017, para 43,1% no ano passado. A Wines of Chile, que reúne mais de 70 vinícolas do país andino, traçou um plano para dobrar – até 2025 – as vendas para o Brasil, seu quinto maior mercado, atrás de China, Estados Unidos, Japão e Inglaterra.

Embora não confirme, a Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale) teria realmente entrado na disputa, assim como outras entidades (relembre aqui). “Porém, como a Uvibra, a Aprovale mal consegue se manter e querer um naco desse fundo seria de se esperar – e o mesmo pode se dizer de várias outras entidades, onde se olha para o vizinho como um competidor e não como parceiro no setor”, revela uma gestora que já ocupou cargos em organizações promotoras do vinho nacional. Ela também denuncia que a indústria sufoca os pequenos produtores de uva, especialmente da Serra Gaúcha. “Quando chega a safra, vinícolas tornam-se o pesadelo dos pequenos produtores ao forçarem a queda de preço sob a ameaça de não comprar a produção que haviam se comprometido a absorver. Já vi produtor pequeno ser avisado no dia da colheita que a vinícola parceira desistiu de adquirir a safra sem qualquer aviso prévio. Já presenciei também comprador prolongar a negociação para forçar o produtor a vender no desespero a uva muito bem cultivada pelo mesmo preço da uva de mesa [tida como de qualidade inferior]. E quem faz isso é um vizinho com o outro, infelizmente. De fato, não é um setor unido, onde o grande ajuda o pequeno; muito pelo contrário, na maioria das vezes o explora”, desabafa.  

Segundo a ex-diretora, justamente aí reside o atual dilema da Uvibra. Afinal, foi preciso alterar o estatuto para que os produtores de uva também pudessem participar da agremiação. “Isso vai desafiar a entidade a ser exatamente democrática e muita gente sabe que nessas entidades, quando muda presidente, muda tudo. Raramente há continuidade e a gestão não é profissional, pois vai dos interesses de cada novo grupo. Por essa razão, ninguém, de fato, confia numa gestão dos grandes favorecendo os pequenos – mesmo com conselho paritário entre cooperativas, sindicato e indústria”, alega. “Acho que quando a Uvibra insistiu na intervenção do Ibravin por meses, visando ganhar voz na gerência do fundo, não levou em conta que poderia justamente matar a galinha dos ovos de ouro, ao atrair o apetite de todas as demais entidades com o desmanche do Ibravin. Talvez este novelo não se desenrole tão cedo. E todos descubram a razão pela qual o Fundovitis precisa ser gerido por uma organização profissional e isenta, mesmo com falhas, como o Ibravin. Podia ser melhor administrado? Ser mais inclusivo com o setor? Ser mais transparente? Menos clientelista? Sim. Mas ninguém queria intervir para melhorar o Ibravin, pois o foco sempre esteve na gestão do recurso milionário. E foram tão vorazes que deu no que deu”, lamenta. 

Além de a Uvibra estar sendo julgada pela forma como se tornou a principal mantenedora do Fundovitis, a entidade também tem sido alvo de pesadas críticas por causa de questões ligadas ao marketing da bebida. Como AMANHÃ revelou na reportagem publicada em 27 de agosto, as futuras ações devem mirar os vinhos com origem no Rio Grande do Sul, estado responsável por quase 90% da produção no país. “É algo lógico, pois o Fundovitis é formado por recursos recolhidos de indústrias gaúchas. E podemos falar do vinho brasileiro nos utilizando do vinho gaúcho. De forma alguma vamos desprezar os vinhos produzidos fora [do Rio Grande do Sul]. Tomaremos o cuidado de olhar o vinho brasileiro como um todo”, afiançou Deunir Argenta, presidente da Uvibra, na ocasião. No entanto, nem mesmo essa garantia diminuiu o enorme descontentamento acima do Rio Mampituba. 

“Entendo que o recurso é do Rio Grande do Sul, mas esse tipo de publicidade, que mira apenas o vinho gaúcho, será um tiro no pé, ainda que não seja significativo o crescimento de consumo de vinhos produzidos em outros lugares”, opina José Eduardo Bassetti, presidente da Associação Vinho de Altitude Produtores e Associados de Santa Catarina.  Tanto é assim que o mercado catarinense absorveu apenas 2,6% do vinho (nacional e importado) no ano passado, de acordo com estudo feito pela Ideal Consulting, de São Paulo. O executivo recorda, ainda, que Santa Catarina até tentou, no passado, criar seu próprio fundo para desenvolver o setor vinícola, mas o volume da produção não era suficiente – por isso a iniciativa não prosperou. Basseti preconiza ações de alcance nacional, e nesse sentido gosta de mencionar uma cena que se acostumou a presenciar na Villaggio Bassetti, vinícola de sua propriedade em São Joaquim. No local há um cartaz de uma garrafa sem rótulo com a frase “Faça mais por você: abra um vinho brasileiro” que, segundo Bassetti, os turistas costumam pedir para serem fotografados justamente ali. “Faria sentido [uma frase dizendo] abra um vinho gaúcho?”, questiona. “Isso diminui a ambição do setor. Seria mais proveitosa a criação de um fundo comum reunindo conselhos de estados que produzem a bebida”, sugere. 

A ideia do produtor catarinense é referendada por outras fontes ouvidas por AMANHÃ. “Temos de defender o vinho nacional, ainda que os recursos aplicados no projeto sejam do governo do Rio Grande do Sul. Se tivéssemos um instituto brasileiro, e com verbas na mesma proporção, todos trabalharíamos em conjunto. É preciso ter a participação de outros estados produtores que contribuam para um fundo único, cujas ações tenham foco na promoção do vinho nacional”, argumenta um empresário do ramo que, como outras fontes do setor, prefere ter sua identidade preservada. Segundo ele, a Uvibra deveria trabalhar para atacar barreiras que tiram a competitividade dos produtos brasileiros – que, ano a ano, estão melhorando sua qualidade. “É fato que não somos competitivos por causa da baixa produtividade e por todo o Custo Brasil que impacta a produção. Acho que a entidade terá muito cuidado para fazer uma boa gestão voltada para a divulgação do vinho, que é seu foco principal. Além de seguir com aquilo que considera positivo e corrigir o que está errado, é primordial que a Uvibra ouça mais as vinícolas em relação ao mercado”, aconselha. 

A proposta do fundo nacional também ganhou a adesão do Sindicato da Indústria do Vinho de São Roque (Sindusvinho), de São Paulo, maior estado consumidor da bebida do país, com uma fatia de aproximadamente 30%. Fernando Aparecido Pereira Leite, presidente do Sindusvinho, adiantou ao Portal AMANHÃ que sugerirá a iniciativa na reunião da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Viticultura, Vinhos e Derivados, na próxima sexta-feira (27), em Bento Gonçalves. “Se aumentássemos o consumo per capita em 50% não haveria vinho suficiente para comercializar no Brasil. Estamos todos em um único barco e temos de remar para o mesmo lado, por isso vamos batalhar para que seja criado um fundo nacional”, diagnostica Leite. Enquanto o consumo por habitante não passa de 1,5 litro, a cachaça tem consumo dez vezes maior (15 litros) e a cerveja alcança invejáveis 60 litros per capita/ano. “Em 1932, quando meu pai abriu a vinícola Bella Aurora, o consumo já estava estagnado nesse patamar. Estamos girando em círculos há mais de 80 anos”, desabafa o presidente do Sindusvinho. 

Ariana Sgarioni, presidente da Câmara Setorial de Uva e Vinho do Estado de São Paulo, também é favorável a que se denomine um comitê gestor com a participação de Norte a Sul. “Um organismo de âmbito nacional, com recursos próprios arrecadados nos diferentes estados, e liderado de forma democrática com a visão de todo os produtores do país, fortalecerá o setor”, opina. Para Ariana, uma das primeiras medidas do colegiado poderia ser a defesa de que o vinho fosse considerado alimento, da mesma forma como é no continente europeu. “Isso vai gerar uma mudança na forma de o consumidor tratar a bebida, os impostos serão muito menores e, por consequência, se elevará o consumo per capita. Enfim, é um tema que só poderá ganhar corpo em escala federal – e não estadual, por exemplo”, entende.  

A unanimidade em torno de uma única bandeira também agrada outra ponta importante da cadeia vinícola: o varejo. A começar pela Wine, o maior e-commerce de vinhos do Brasil, responsável por 65% das vendas on-line da bebida. Rogério Salume, fundador da marca há onze anos, é um dos responsáveis pela democratização do vinho no país. Ao traçar uma excelente estratégia de marketing dirigido, vendendo rótulos a preços competitivos e entregando em todo o país – até nos lugares mais remotos –, o hoje chairman da Wine contribuiu para que o brasileiro começasse a ter o hábito de degustar vinhos. “Esse é um tema espinhoso, pois já lidamos com o bairrismo que o próprio vinho tem; já existiam consumidores bairristas e, agora, os produtores também querem trilhar esse caminho”, lamenta Salume. “Eu gostaria muito de participar de um movimento mais unificado em prol do vinho brasileiro”, revela. “Eu mesmo conheço muitos produtos bons produzidos no Sul, mas só podem ser degustados aí. Existem vinhos excelentes que não chegam em outras partes do país. Até tentei, no passado, criar uma plataforma para comercializar esses vinhos nacionais, mas produtores não quiseram participar, pois acharam que seria uma perda de receita para eles, quando, na verdade, todo mundo ganharia. Ou seja, talvez até consigam produzir, mas vender e entregar se torna algo muito difícil. Enfim, mais uma razão para que se baixe essa guarda aí”, conta. “Vamos unir forças e transformar um mercado pequeno em grande. Depois, quando estiver maior, cada local organiza conselhos regionais como acontece na França e na Itália, por exemplo. Mas, antes, temos de trabalhar para fazer com que todo segmento cresça”, sugere o chairman da Wine. 

A opinião de Salume é referendada por Ari Gorenstein, CEO da concorrente Evino, site que deve atingir 1 milhão de clientes que fizeram ao menos uma transação com a companhia ainda neste ano. Para o empreendedor que criou o site de vendas há pouco mais de seis anos, ações coletivas devem ser uma opção mais saudável para o setor. “Não vejo com bons olhos [o fato de a Uvibra trabalhar a imagem apenas do vinho gaúcho]. Não é brigando por causas regionalizadas demais que vamos conseguir o espaço que o vinho precisa ter no Brasil”, ensina. “Cito como uma referência a Pró-Vinho, uma organização sem fins lucrativos, formada por entusiastas da bebida e que buscam coletivamente unir forças se desapegando de interesses particulares ou geográficos”, aponta Gorenstein, que foi um dos membros-fundadores da entidade. 

Ao saber da disposição de outros estados interessados em formar um fundo nacional para desenvolvimento do setor, Argenta, presidente da Uvibra, confidenciou ao Portal AMANHÃ que já teve, no passado, conversas de bastidores com produtores de Santa Catarina e que está aberto ao diálogo. No entender dele, cada estado produtor poderia contar com seu Fundovitis inicialmente e arcar com determinado valor anual para ações conjuntas nacionais, por exemplo. Afinal, a formação de uma instituição que contasse com recursos públicos envolvendo vários governos estaduais pode levar algum tempo até sair do papel. “Recebo tranquilamente essa sugestão que o Brasil possa vir a ter um fundo único”, afirmou. “Tenho tentado fazer com que o setor pense junto, pois se comercializarmos os vinhos que produzimos, todo mundo irá bem. A indústria poderá pagar melhor o produtor, o governo terá maior receita, mais empregos serão gerados, enfim, tudo se torna um ganha-ganha”, avalia. 

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Sexta, 26 Abril 2024

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