O prêmio de Raduan Nassar

"Vivemos tempos sombrios", disse o escritor Raduan Nassar (foto) ao receber o Prêmio Camões das mãos do ministro da Cultura, Roberto Freire. Dada a senha, foi ovacionado por uma plateia inflamada que, indiferente à solenidade do momento, engrossou o ...
O prêmio de Raduan Nassar

"Vivemos tempos sombrios", disse o escritor Raduan Nassar (foto) ao receber o Prêmio Camões das mãos do ministro da Cultura, Roberto Freire. Dada a senha, foi ovacionado por uma plateia inflamada que, indiferente à solenidade do momento, engrossou o coro de diatribes contra o governo Temer, ali acoimado de golpista e de outros penduricalhos de ocasião. No rescaldo do episódio, eis um momento de celebração à cultura reduzido a reverberações palanqueiras. Que pena. 

Sinto-o especialmente pelo escritor que, pela idade e brilho literário, poderia perfeitamente ir dormir sem ouvir o sabão que lhe passou o ministro pernambucano. Embora pouco popular em seu Estado de origem – tanto é que é eleito por São Paulo –, Freire não tem entre seus defeitos o de ouvir desaforos e baixar as orelhas, como equivocadamente pode ter pensado o escritor, e os que acudiram ao evento. Lastimável, repito.

Estivesse eu no lugar de Freire, não chegaria ao extremo de fazer como ele fez: sugerir a Nassar que recusasse o Prêmio e o devolvesse. Não o teria feito não por falta de vontade, mas por respeito estrito a quem é permitida certa indiferença para com o futuro. Não por egoísmo ou decrepitude, mas pelo sacrossanto direito de se desligar das preocupações ordinárias e levantar o escudo da comodidade – prerrogativa da idade.

Ora, não é segredo para ninguém que atravessamos uma quadra política delicada. Mas é óbvio que é do interesse do país cruzar essa tormenta torturante em que nos jogou o populismo para conseguirmos um mínimo de avanços políticos – e, paradoxalmente, o momento é bom para impor tal agenda ao Congresso – e outros tantos que nos levem à estabilidade econômica. Se sucumbirmos ao apelo dos palanques e o país parar, pior será para todos.

Fez bem Roberto Freire em resistir à tentação de sapecar números sobre recuperação econômica e, assim fazendo, macular a cerimônia com um didatismo de que, de resto, o Brasil anda carente. Ainda bem que ele não falou da diminuição do risco-país, da recuperação das expectativas, do fortalecimento da moeda, como poderia fazer um boçal. Mas temos de entender que tampouco tem sangue de barata. Algo tinha que dizer. E disse. 

Passado o instante vexaminoso para todo mundo, é bom que tenhamos todos em mente que "tempos sombrios" podem estar por vir. Muito além do desastre engendrado por mais de 10 anos de desmando e desgoverno, 2019 ainda pode nos brindar com o espectro tenebroso de Ciro Gomes –um contendor que tem todos os elementos para nos levar ao patíbulo. Que Nassar fique indiferente ao dilúvio, é perdoável, pois o dia era dele. Mas nós, não.  

Nunca é demais lembrar: temos muito chão para piorar. A contragosto, ponto para Freire.  

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Quinta, 12 Dezembro 2024

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