Janot: a bile e a bala

Quem ainda não leu, logo tomará conhecimento da estarrecedora entrevista do ex-procurador Rodrigo Janot (foto) à revista Veja. Entre declarações de candente frontalidade sobre a Lava Jato e seus múltiplos atores, uma delas chamará a atenção de qualqu...
Janot: a bile e a bala

Quem ainda não leu, logo tomará conhecimento da estarrecedora entrevista do ex-procurador Rodrigo Janot (foto) à revista Veja. Entre declarações de candente frontalidade sobre a Lava Jato e seus múltiplos atores, uma delas chamará a atenção de qualquer brasileiro. Relata a vez que Janot foi ao encontro do ministro do SFT Gilmar Mendes, disposto a desferir-lhe um "tiro na cara". Na sequência, segundo os planos, ele próprio cometeria suicídio, coroando um dia que certamente nem Brasília nem o mundo tão cedo esqueceriam. A única dúvida que remanesce no espírito perplexo do leitor dessas linhas é como o Brasil receberia a notícia da morte dos juristas. É escusado especular sobre a eventual euforia que contagiaria as ruas, dados os inúmeros adversários, ou até mesmo inimigos, que ambos conseguiram fazer ao longo do tempo, por diferentes razões. 

No caso do hipotético alvo, que só tratava Janot de "bêbado e irresponsável", as reações se explicariam no bojo da reputação que criou – a de relaxar prisões que a sociedade queria ver cumpridas com rigor. No caso do suicida, que tratava Gilmar de "perverso e dissimulado", se logrado seu intento, muitos devem pensar que esta teria sido a bala de R$ 1 trilhão, visto que foi pela bile do ex-procurador, cioso de justiçar Dilma Vana pelo calvário do "impeachment", que a reforma da previdência perdeu seu melhor momento no plenário legislativo. A propósito, só David Cameron protagonizou desastre similar contra seu país, ao submeter o tema do Brexit a uma votação tida e havida como evitável e açodada. Em ambos os casos, os prejuízos do mau cálculo político foram incomensuráveis. Seja como for, melhor que ambos estejam vivos, o que nos permite periciar o rescaldo. 

Assim sendo, na semana em que o novo Procurador Geral da República tomava posse, no bojo do que mais pareceu uma campanha eleitoral, e, coincidentemente, quando o próprio Jair Bolsonaro fez um discurso belicoso na tribuna da ONU – pouca importa que tecnicamente perfeito, posto que lavou a alma da militância declarada ou oculta da direita mundial –, tanto o público interno quanto o externo começam a perceber a matriz violenta deste que já foi "um país tropical, abençoado por Deus, e bonito por natureza."  É tamanha a busca pelos holofotes e tão compensadora a luta pela ribalta, que a lei da bala não vale só para meninas que voltam da escola, senão também para os gabinetes mais assépticos na aparência. É claro que uma declaração dessa magnitude reduz a mera questão de prestígio e dinheiro os desmandos de Dallagnol e as torpezas de Marcelo Miller. 

Muito do que diz Janot está calcado na realidade objetiva de fatos. Qualquer um sabe as razões que levaram Temer e Henrique Alves a pedir que ele abrandasse as investigações em torno de Eduardo Cunha, em apelo "não ao procurador, mas ao patriota". Ora, ambos sabiam que o presidente da Câmara, se preso, não os pouparia. Falavam, portanto, em causa própria. Tampouco alguém haverá de duvidar dos insultos solertes que lhe dirigia Fernando Collor, useiro e vezeiro de expedientes torpes para calar investigações sobre os descaminhos que são os seus desde que era prefeito de Maceió. No mais, que a Lava Jato nucleada em Curitiba trocava os pés pelas mãos, está fora de questão. Daí o arrependimento confesso que teve Janot em ter-lhes delegado a confecção das peças acusatórias mesmo porque ali vigia o vale-tudo messiânico contra as quadrilhas. 

Em paralelo a esse quadro de desmonte e de lavagem de roupa suja a céu aberto, o plenário do STF se rende a uma obviedade solar demonstrada pelo advogado Toron na defesa de um ex-presidente da Petrobras, e está para colocar por terra o enorme edifício jurídico que o combate à corrupção construiu. E tudo por conta da vaidade desmedida e, como disse com acerto o novo PGR Arias, "por falta de cabelos brancos". O que vem pela frente? Ninguém sabe ao certo. Se o dedo de Janot não tivesse travado no gatilho, se Teori Zavaski não tivesse embarcado naquele helicóptero, a reforma da previdência teria sido aprovada em seu melhor formato e a juventude togada teria tido um par de cadáveres sobre os quais se debruçar, antes de esfregar as mãos em êxtase de olhos nos lucros das palestras. O Brasil, de novo, sai como grande perdedor. 

No mais, bem sabemos que conjecturar sobre o "se" é exercício divertido na literatura, mas inócuo para a História. 

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Quinta, 12 Dezembro 2024

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