Parece coisa do além

Sou agnóstico, nos limites do ateu. Sou cético, lutando para não resvalar para o cinismo. Sou até meio chato, mas precavido o bastante para não ser intratável. Tenho limitada paciência para temas como espiritualidade, contabilidade, performance espor...
Parece coisa do além

Sou agnóstico, nos limites do ateu. Sou cético, lutando para não resvalar para o cinismo. Sou até meio chato, mas precavido o bastante para não ser intratável. Tenho limitada paciência para temas como espiritualidade, contabilidade, performance esportiva e o sobrenatural. Gosto de literatura, história, gastronomia e de gente que se expressa com clareza. Isso posto, há de se concluir que tenho limitada paciência para teorias conspiratórias e interpretações enviesadas dos fatos crus. E o caldo entorna de vez quando a ela se mesclam os chamados fatores do "além", mesmo que embalados no que se convencionou chamar de inteligência artificial. Certas horas, no entanto, isso dá no que pensar. 

Diz um amigo que nossas conversas mais informais e mais íntimas, podem estar sendo captados por sensores que registram palavras-chave. E que esse mecanismo propicia a formação da chamada boiada digital, fazendo com que redes sociais ávidas por seguidores aprisionem não só nossos hábitos, logo nossos corações, senão também nossas mentes, que passam a ser objeto de feroz manipulação. Diante do argumento de que isso não chega a ser novidade, já que os algoritmos da internet nos agrupam em tribos que vivem no mesmo CEP, acreditam nos mesmos valores e comungam das mesmas predileções, bastando para tanto ver nossas curtidas no Facebook. Para ele, ainda é pouco.   

Será que já chegamos a outro estágio? Não sei há quanto tempo a conversa aconteceu, mas não deve datar de um ano. Nesse diapasão, tenho eu próprio verificado estranhas intercorrência. Dia desses estudava as datas para dar um seminário sobre a Índia, a pedido de um cliente. Foi uma conversa de WhatsApp que não passou pelo crivo das redes ditas mais públicas. Não tardou para que eu começasse a ser bombardeado por anúncios patrocinados sobre a Índia. Desde links sobre alimentação vegetariana até excursões à cidade de Varanasi. Intrigado com aquilo, verifiquei se tinha deixado rastros do evento no Facebook, mas não havia nenhuma menção, sequer "in-box".  

Mais recentemente, contei numa roda de amigos o quanto tinha saudades da São Paulo dos anos 1980, que marcou o início do período residencial por aqui. Conversa vai, conversa vem, aludimos verbalmente à churrascaria Rodeio, na rua Hadock Lobo. Qual não foi meu espanto quando recebi pouco tempo depois um link patrocinado do restaurante lendário. Outro comensal da mesma roda recebeu material igual. E já nem soube o que pensar quando conversei com outro sobre uma viagem que ele faria à Califórnia. No caso presente, foi ele quem passou a receber ofertas de carro e hotel na região de Pasadena, onde ele iria visitar um familiar. É de dar o que pensar. 

O mais provável é que esse artigo, se lido dentro de dez anos, possa parecer uma perplexidade jurássica diante dos desdobramentos, da evolução da chamada inteligência artificial e das tais redes neurais. Certo mesmo é que embora nunca tenha sido um fanático da privacidade, pelo contrário, sinto que até minha alma extrovertida se ressente desse mundo que está sendo preparado para as gerações futuras. Que ele poderá trazer candentes benefícios aos mais idosos – com exames instantâneos, rastreabilidade e providências de socorro imediatas, entre outras –, o que é bom, parece-me aterrador que possamos estar sendo descaradamente mais manipulados do que já somos. 

Em suma, por uma vez na vida, estou começando a acreditar em bruxas. 


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Quinta, 12 Dezembro 2024

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