Só depende de nós, brasileiros

Dentre os países ocidentais com uma base industrial forte, o Brasil ocupa posição de destaque
“Quando o mundo todo se deu conta que 90% da produção de máscaras vem da China, que 80% das peças da BMW são manufaturadas no gigante asiático e que algumas empresas norte-americanas têm 100% de sua produção também vinda de lá, já era tarde demais para perceber o erro estratégico estabelecido”

O impacto da Covid-19 – após as terríveis consequências de saúde para a população mundial – migrará para o campo econômico, mas principalmente para o palco estratégico. Esse viés é o que se encarregará de trazer as mudanças mais profundas na geopolítica e geoeconomia do planeta. Movimentos importantes vão acontecer e poderão trazer muitas oportunidades para nós, brasileiros.

A última década viu a China criar uma economia comunista-capitalista abrindo os braços para a produção massiva de praticamente tudo. O custo ultracompetitivo chinês, como consequência de subsídios governamentais associado a um regime de gestão do trabalhador que beira as raias do desumano (travestido de disciplina e de alta produtividade), encontrou na economia globalizada e na alta escala um cliente voraz, disposto a mover produção e tecnologias de seus países para encontrar na China o sonho capitalista do comprar (muito) e engordar as margens de lucro. A China é o novo motor do mundo, "vamos correr para lá", "se você não está na China está fora do jogo". Tudo ia bem, até que o vírus apareceu. O que muitos argumentam ser uma jogada chinesa para dominar o mundo, na verdade é um grande tiro no pé.

Quando o mundo todo se deu conta que 90% da produção de máscaras vem da China, que 80% das peças da BMW são manufaturadas no gigante asiático e que algumas empresas norte-americanas têm 100% de sua produção também vinda de lá, já era tarde demais para perceber o erro estratégico estabelecido. O resultado de curto prazo gerou a miopia estratégica e o preço a pagar será alto. Qualquer analista de investimentos júnior recomenda diversificar sua carteira e o mundo foi na contramão dessa lógica simples.

A China vai ser desidratada. O governo do presidente Trump (cujo PIB é de "meros" US$ 20,5 trilhões) já havia dado a primeira cartada contra a exportação das manufaturas americanas para outras localidades atenuando as taxas para a produção "made in USA". Mais recentemente encampou uma guerra fiscal contra a China. Fica claro que nos próximos meses veremos uma guerra fiscal e legal para remover manufaturas da China. Novas leis de proteção irão barrar a importação de produtos chineses com alegações distintas e o esforço norte-americano será o de "convencer" seus parceiros ocidentais a aderirem a tais regras. Dado o desconforto mundial com o gigante asiático e o possível apoio financeiro americano para a recuperação econômica de seus aliados, a possibilidade de vermos um grande bloco anti-China se formar é bastante possível. Quais são, então, os próximos passos?

A remoção das manufaturas da China precisa encontrar um ambiente com know-how manufatureiro, mão de obra mais barata do que países europeus de 1º mundo ou Estados Unidos e, de quebra, um setor primário forte que possa suprir parte dos insumos básicos como carne, minério de ferro e soja. Não obstante, um país identificado com o pensamento político econômico vigente do presidente Trump. Quais são as opções se analisarmos o BRICS? África do Sul não tem base industrial. Índia apresenta diferenças culturais que não caem no agrado americano, e Rússia, esqueça a Rússia.

Se ainda analisarmos outros possíveis players, veremos Vietnã, Tailândia e Cingapura, mas esses países já se encontram no limite do que suas capacidades de mão de obra podem entregar. Para onde correr então? Sim, acreditemos, o Brasil é uma grande opção. Dentre os países ocidentais com uma base industrial forte, o Brasil ocupa posição de destaque. Possui enorme força no setor primário, pensamento político-econômico alinhado com os Estados Unidos e uma disponibilidade de mão de obra ávida por retornar ao trabalho após anos de recessão. O panorama macro é animador, mas os próximos passos é que definirão o jogo: precisamos de uma reforma fiscal urgente, que traga simplificação e velocidade ao processo; precisamos de estabilidade política para garantir pelo menos uma visão de médio prazo com segurança jurídica e precisamos, mais do que nunca, de um armistício político. Todas essas mudanças são imperativas para a atração de investimentos de longo prazo no Brasil. Nos últimos anos vimos uma fuga enorme de empresas pela absoluta instabilidade brasileira, como consequência de tudo o que não fizemos.

O mundo parece estar nos trazendo uma oportunidade para recuperarmos o tempo perdido nas últimas décadas. A boa notícia é que pegar ou não esta oportunidade está em nossas mãos. A má notícia é que talvez esteja apenas em nossas mãos. Somos um país dividido, rancoroso com nós próprios, inimigos de nossos amigos, com a autoestima mais baixa do que nunca, doentes não como consequência do coronavírus, mas de nosso (pouco) espírito de brasilidade. Precisamos virar esse jogo, encontrar a porta de saída desse atraso que nos acompanha ou a porta de entrada para um novo futuro. Quantas outras oportunidades passarão e quantas outras vezes veremos países menos preparados pularem a nossa frente?

*CEO do Sqed e diretor de P&D da HPE

Veja mais notícias sobre BrasilCoronavírusIndústria.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Quarta, 11 Dezembro 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://amanha.com.br/