Lua de mel curta para Mauricio Macri?
O terremoto político que pairava sobre o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais da Argentina se confirmou no dia 22 de novembro quando Mauricio Macri (foto), candidato de centro-direita, saiu vencedor no segundo turno das eleições por uma margem apertada de 51,4% dos votos contra 48,6% do peronista Daniel Scioli. Chega ao fim desse modo mais de uma década de governos populistas dominados pelos Kirchner: Cristina Kirchner e, antes dela, seu falecido marido, Néstor Kirchner.
O país se deu conta de que “precisava de mudança, mais especificamente, de um governo de centro-direita”, observa Robert Tornabell, professor de economia e ex-reitor da ESADE. Para ele, ficou evidente que “o ciclo de baixa dos preços internacionais poderia se alongar, e a queda dos preços do petróleo, do gás natural, da soja, da carne e de todas as matérias-primas exportáveis do país já não bastavam para cobrir o déficit público, o pagamento da dívida e para cobrir as reservas de divisas, que haviam se esgotado antes do início das eleições.” Chegou um momento em que o “governo teve de pedir aos bancos que entregassem uma parte de suas reservas em dólares porque o setor elétrico não podia mais honrar os pagamentos em moeda estrangeira”, acrescenta.
Apesar da evidente deterioração do panorama, que acumula quatro anos sem crescimento econômico, não se pode classificar de fácil ou precipitado o caminho de Macri até a Casa Rosada. De acordo com especialistas, sua estratégia para chegar à presidência foi muito bem dimensionada, evitando se apresentar em pleitos presidenciais anteriores, quando a vitória de Cristina Kirchner parecia praticamente garantida. Ele optou por ganhar popularidade e experiência política primeiro à frente do famoso time de futebol Boca Júniors durante 12 anos e, mais tarde, como prefeito de Buenos Aires desde 2007. Agora que a presidente ? que lhe bastará o bastão de comando do país no dia 10 de dezembro ? não podia mais se candidatar a um terceiro mandato consecutivo, Macri soube canalizar a vontade clara de mudança política que a sociedade argentina exigia para chegar à vitória.
Os slogans eleitorais dos candidatos colocaram em evidência o fastio da sociedade com a forma de fazer política do kirchnerismo, já que tanto o candidato governista Scioli quanto seu adversário Macri prometiam uma mudança de situação. Scioli escolheu a fórmula “continuidade com mudanças”, enquanto Macri preferiu “é possível mudar”. De acordo com analistas, Macri parece ter ganho a disputa com Scioli ao acompanhá-lo com mensagens e gestos de tom mais conciliador e amável do que seu oponente durante a campanha. Ele se beneficiou também do fato de estar livre do peso da “herança política” de Cristina Kirchner que Scioli tinha de suportar. “Por mais que Scioli prometesse mudanças, as pessoas haviam optado por uma mudança radical”, observa Rafael Pampillón, professor de economia da Escola de Negócios IE.
Perfil tecnocrata
O ponto de partida de Macri na política tem data exata: 24 de agosto de 1991. Conforme ele mesmo conta, a experiência traumática pela qual passou quando foi sequestrado e mantido refém durante duas semanas ? ele foi colocado dentro de um caixão e transportado por um carro fúnebre até o porão de uma casa ? mudou-o a tal ponto que, depois de libertado, decidiu se dedicar ao serviço público. Até então, Macri, formado em engenharia civil, ocupava-se do mundo dos negócios no grupo empresarial da família, onde era diretor-executivo. O presidente eleito de 56 anos, filho de um imigrante italiano que fez fortuna na Argentina, é milionário.
A distância social que o separa do eleitorado mais simples parece superada, em parte, por sua vitória nas urnas, mas seu perfil de tecnocrata provoca receio entre os adversários. A presidente no exercício de suas funções advertiu para isso em declarações feitas à imprensa: “Um país não é uma empresa, que ninguém se engane”. Mais tarde, ela acrescentou: “Sempre estarei aqui para defender os direitos dos argentinos”, o que deixa aberta a possibilidade de sua volta à política com candidata à presidente em 2019.
Para Tornabell, porém, o passado de empresário de Macri passa confiança “por sua capacidade de gerir com sucesso os recursos escassos do país.” É o que pensa também Pampillón, que acrescenta: “Ele poderia ajudar a melhorar o funcionamento dos mercados. Ele sabe, como bom empresário, que não é bom pra a economia a conivência que tinham as companhias argentinas com o governo, que as levava a lhe repassar dinheiro. Em troca, recebiam proteção através de um sistema tributário que lhes dava vantagens em relação à concorrência externa. Macri terá de restabelecer a concorrência e abandonar o programa de preços controlados, dar maior segurança jurídica às empresas e criar um ambiente mais amigável para elas etc.”
Atualmente, o futuro presidente passa uma imagem de dinamismo trabalhando com rapidez nesse período de transição, uma vez que já nomeou um gabinete econômico com seis ministros ? entre eles, Alfonso Prat Gray, que estará à frente da Fazenda e das Finanças, e Juan José Aranguren, ex-CEO da Shell, que ocupará a pasta da Energia ?, o que deixa claro o grande peso que terá a economia no próximo governo. Foi anunciada também a nomeação de Susana Malcorra, atual chefe de gabinete de Ban Ki-Moon na ONU, para a pasta de Relações Exteriores, o que faz dela a primeira mulher da história argentina a ocupar esse cargo.
Mudança de rumo
O presidente eleito, entre outras coisas prioritárias, tomará conhecimento do estado real das contas públicas e do Banco Central, conforme assegurou que faria já em sua primeira entrevista coletiva. Pampillón diz que, antes de mais nada, “Macri terá de analisar quais os verdadeiros dados da inflação e outros indicadores econômicos calculados pelo Instituto Nacional de Estatística, que contas não foram pagas etc”, já que, de acordo com analistas privados, essa informação foi deturpada durante anos. Em vista disso, o professor não estranha a pouca colaboração oferecida pelo governo em fim de mandato ao presidente eleito nesse momento de transição. Depois da primeira reunião com Cristina Kirchner passadas as eleições, Macri disse: “Não valeu a pena.”
Apesar da falta de rigor em algumas instituições públicas durante o período kirchnerista, Tornabell assinala que há algumas certezas a respeito da situação do país: “Macri receberá uma fazenda pública sem reservas em dólares, com litígios internacionais devido à dívida pendente desde 2002, e uma balança de pagamentos cuja conta corrente (isto é, exportações menos importações) é deficitária, ou seja, 0,93% do PIB, uma vez que a crise das matérias-primas castigou as receitas de exportação de commodities.”
O presidente eleito prometeu que a partir de 11 de dezembro, em seu primeiro dia de governo, acabará com todos os controles de câmbio, o chamado cepo, e o dólar flutuará livremente. Todos esperam que o país passe por uma forte desvalorização da moeda. Tornabell observa que “é notório o fato de que o peso está supervalorizado. A desvalorização baixará pela metade a taxa de câmbio atual em relação ao dólar”, o que levará à perda de poder aquisitivo dos trabalhadores e ao início de tempos não muito alegres para Macri. Carlos Malamud, pesquisador principal do Real Instituto Elcano, disse em um artigo publicado pela InfoLatam que “da forma como for feita a negociação com os principais agentes econômicos serão maiores ou menores as repercussões da desvalorização sobre o conjunto da economia.”
Tornabell afirma que para tornar real a desvalorização, o presidente eleito terá de conseguir financiamento internacional. “Ele poderá obtê-lo junto ao Fundo Monetário Internacional, mas o país tem más lembranças das medidas da instituição quando se declarou em default em 2002.” Poderia também captar capitais internacionais, especialmente para a exploração das “jazidas de petróleo e de gás natural que, de acordo com a Agência Internacional de Energia, estão entre as maiores do mundo (por exemplo, a jazida de Vaca Muerta), mas as negociações não seriam fáceis.” Ele acrescenta que a Argentina é a segunda maior economia e a que dispõe de maiores recursos na América Latina, “mas precisa de capitais, novas tecnologias para as jazidas de petróleo e necessita terminar com os subsídios concedidos por causa da inflação, que já supera os dois dígitos, para que ela não aumente mais. É preciso um plano de ajustes com ajuda internacional.”
Macri quer aplanar o caminho para a chegada de investimentos. Ele advertiu em suas primeiras declarações depois da vitória que o objetivo das políticas econômicas do novo governo é que “o mundo saiba que nós, argentinos, somos previsíveis qualquer que seja a circunstância”, objetivando com isso colocar uma pá de cal na arbitrariedade mostrada pelo governo anterior.
Contudo, os especialistas assinalam que a lua de mel de Macri com o eleitorado poderá ser bem curta. “Os primeiros anos serão duros”, adverte Pampillón, porque “equilibrar os orçamentos, o déficit, a inflação etc. terá um custo muito alto traduzindo-se em desemprego etc. A desvalorização do peso, em certo sentido, seria um alívio porque favorecerá as exportações e encarecerá as importações, mas haverá menos produtos no país e maior descontentamento entre as pessoas que já estão muito insatisfeitas com a situação econômica”.
A política externa é uma das frentes já abertas. Macri disse que sua intenção é solicitar a aplicação da cláusula democrática à Venezuela na próxima reunião do Mercosul, o que poderia significar a expulsão do país do bloco se o governo de Nicolás Maduro continuar a perseguir seus opositores. O populista Maduro perderá um apoio importante na região e, segundo Pampillón, tudo indica que, a partir de agora, “a Argentina se alinhará mais com os países que formam a Aliança do Pacífico (Chile, Colômbia, México e Peru) e melhorará suas relações com os EUA, bastante deterioradas devido aos litígios que a Argentina mantém com os chamados fundos abutres americanos”, isto é, os credores que não aceitaram a reestruturação do pagamento da dívida.
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