A Apple aumentará sua fatia do bolo
Ao apresentar sua mais recente rodada de lançamentos, a Apple sinalizou a direção em que deverá seguir. A empresa espera atrair a família para a sala de estar, colocá-la diante da tevê e proporcionar a ela jogos e entretenimento. A ideia é subverter a indústria da televisão com o desenvolvimento de aplicativos por terceiros; atrair os usuários corporativos e abocanhar uma fatia dos mercados de laptop com tablets mais modernos, bem como conquistar os usuários de telefones tirando-os das operadoras tradicionais. Contudo, a empresa não conseguiu ainda desenvolver um “ecossistema de privacidade total” e de fornecedores baratos no mundo todo.
Durante o anúncio, a empresa ressaltou que a nova Apple TV dispõe de aplicativos que permitem acessar a Netflix, Hulu e iTunes e possibilita assinar diretamente a HBO e o Showtime sem que o usuário tenha de recorrer ao serviço das operadoras de cabo e de satélite. O equipamento tem recursos básicos para jogos e para pesquisa avançada; o Siri, serviço de voz da empresa agora em versão atualizada, permite ao usuário escolher o filme de sua preferência e lhe dá a possibilidade de adiantá-lo ou voltá-lo. A Apple também está disponibilizando sua plataforma de tevê e seus sistema operacional “tvOS” a desenvolvedores terceirizados. Isto significa que haverá mais jogos e aplicativos de vídeos a caminho.
De acordo com Jerry (Yoram) Wind, professor de marketing da Wharton, “a Apple é líder em subverter as coisas ? a empresa tomou de assalto a indústria da música, dos computadores e da telefonia”. Wind é também diretor do Centro SEI de Estudos Avançados em Administração. Para ele, foi uma decisão “brilhante” de inovação aberta por parte da empresa trabalhar com desenvolvedores terceirizados de aplicativos. “A Apple TV é, de longe, a tecnologia mais interessante introduzida pela empresa”, constata Richard Dasher, diretor do Centro de Administração de Tecnologia EUA-Ásia da Universidade de Stanford. Com aplicativos de desenvolvedores terceirizados, a Apple poderia administrar cuidadosamente o crescimento de um ecossistema em que a tevê seria o ponto de acesso para a Internet doméstica, acrescentou. “Esse ecossistema provavelmente controlará a maior parte das coisas em nossa casa e poderá nos acompanhar onde quer que estejamos.”
“Já faz algum tempo que a Apple se dedica ao ecossistema, e não ao hardware”, lembra Eric K. Clemons, professor de operações, informações e de tomadas de decisões da Wharton. “Não acredito que o iPad, a nova TV ou o novo relógio possam mudar o jogo por conta própria. Contudo, é possível que a Apple TV se integre tão bem ao iPad ou ao laptop que deflagre um novo sistema em que nossos vídeos pessoais e todo tipo de conteúdo da Web sejam igualmente acessíveis no aparelho de tevê, bem como os canais públicos e premium pelos quais estejamos disposto a pagar”, acrescenta Clemons.
“O aspecto mais fascinante dos últimos lançamentos da Apple é aquilo que eles sinalizam em relação ao futuro”, revela Hayley Tsukayama, repórter de tecnologia do Washington Post. Entre outras coisas, por exemplo, a empresa mostrou de que modo poderá impulsionar sua oferta de tevê. “Estamos esperando que a Apple anuncie seu serviço de streaming de vídeo, cercado de tantos rumores, e que a empresa faça pela tevê o que fez pela música”, antevê Tsukayama.
Subvertendo modelos de preços
Para Dasher, a Apple TV poderá subverter a estrutura de preços do setor. “O sistema de pagamento pelo serviço de tevê e a necessidade de assinar canais premium etc. provavelmente vão acabar. Essa nova televisão vai ajudar nisso”, prognostica. Dasher acrescenta que muitos consumidores jovens são seletivos naquilo que veem e assistem a shows de tevê mediante solicitação. “A Apple TV dá um passo além. Temos aí uma grande empresa que se desloca com cautela em direção à próxima geração de indivíduos que interagem de forma ininterrupta e transparente com a tecnologia da informação a que têm acesso”, observa Dasher.
Tsukayama ressalta que embora a Apple sempre tenha controlado o hardware e o software de seus produtos, seu último “salto de conteúdo” é uma novidade que vale a pena acompanhar. Uma incursão nos serviços de streaming de vídeo também abrirá outras fontes de receitas. “O streaming de vídeo via Internet já começa a prejudicar a publicidade na tevê. Parece que a Apple quer estar na vanguarda desse processo”, diz Tsukayama. De acordo com Dasher, o maior desafio da Apple nesse sentido consiste em fechar acordos com os provedores de conteúdo, já que as ofertas atuais são limitadas. Contudo, a plataforma “tvOS” ajudará a empresa a proteger de riscos a Apple TV, posicionando-a também como equipamento para jogos desenvolvidos por terceiros. O negócio de jogos “é enorme”, disse Wind. “Com a inovação aberta nessa área, a Apple subverterá mais uma vez a ordem vigente.”
Dispensando as operadoras
Outro possível fator de mudança foi o anúncio da Apple de um programa de atualização do iPhone que permite ao usuário obter novos modelos todo ano, dispensando a intermediação de operadoras como AT&T e Verizon. Com planos parcelados de pagamento a partir de US$ 32 ao mês, o usuário recebe um aparelho desbloqueado, atualizações anuais e a possibilidade de escolher a operadora que desejar. As operadoras, via de regra, oferecem dois planos anuais para os aparelhos com os quais trabalham, o que dificulta a troca de aparelho pelo usuário anualmente. “A Apple está agora aprofundando e alavancando sua relação com o consumidor que não gosta da operadora que utiliza”, disse Wind. “Foi uma decisão importante e que está de acordo com a estratégia da empresa de inovar e de subverter a ordem.” Tsukayama salientou que “muita gente não gosta da operadora que usa, portanto é possível que decidam trabalhar com a Apple”.
Com o plano de atualização do iPhone, a Apple está migrando para um modelo de negócios baseado em serviços. “As operadoras sempre ofereceram planos de atualização, mas agora que a Apple decidiu fazê-lo, a empresa assume um controle maior do negócio em detrimento das operadoras. Isso é novidade em se tratando de um fabricante de telefones. Veremos daqui a seis meses se a coisa decola”, acrescenta Dasher.
Negócios no tablet
O outro grande lançamento da Apple ? o iPad Pro ? é o principal acontecimento fora a Apple TV. Isso pode mudar muito a forma de expansão do mercado de tablets ao atrair os usuários comerciais do aparelho. O iPad Pro tem uma tela maior do que muitos laptops. Também é mais leve e sua bateria dura dez horas. O reposicionamento do iPad Pro para atrair as empresas e os usuários de laptops faz sentido porque tudo está convergindo. No evento de lançamento, a Apple convidou executivos da Microsoft e da Adobe para que demonstrassem o funcionamento do MS Office e outros softwares relacionados ao iPad Pro. O equipamento vem com uma caneta, a Apple Pencil, e um conector para teclado ? neste último item a empresa segue os passos do Surface da Microsoft.
“Seria interessante ver se o iPad Pro vai substituir o laptop”, opina Dasher. Ele lembrou que muitos dos que compraram a primeira geração de iPads ficaram desapontados porque eles não tinham a funcionalidade dos laptops. Tsukayama recorda que Tim Cook, CEO da Apple, vem trabalhando para tornar o tablet um aparelho mais empresarial, mais adequado aos negócios. Ela citou em seguida a parceria da empresa com a IBM e com a Cisco para o desenvolvimento desse tipo de uso.
O poder do grande
Só uma empresa grande como a Apple poderia levar a cabo todas essas experiências. “Há uma ênfase agora na inovação das start-ups, mas é preciso uma potência como a Apple para saber comunicar conteúdo e serviços, além de uma variedade de hardware e de conseguir conectar todos eles. A cola que mantém juntas todas essas partes produzirá seu valor agregado”, assinala Dasher. Na visão dele, o Google é outra empresa capaz de executar estratégias similares.
A Apple e outros membros do grupo conhecido como AGFA (Apple, Google, Facebook e Amazon) têm reservas elevadas de moedas que poderiam usar para aquisições. “De todas as empresas, a Apple é a que tem melhor histórico de inovação”, acrescenta Wind. Ele disse que o Google pode dominar em mercados específicos ? por exemplo, o do carro que dispensa motorista. “Contudo, a Apple vem conquistando um setor depois do outro de maneira sistemática ? computadores, telefones, jogos etc. ? providenciando o ecossistema de que o consumidor precisa”, emenda Wind.
O futuro
“O próximo ecossistema que interessa a Apple é o da privacidade total de que fala Tim Cook”, disse Clemons referindo-se à entrevista que o executivo deu a Charlie Rosen no ano passado. “Talvez muitos de nós deixemos o ecossistema do Google pelo ecossistema da Apple, se Cook se dedicar à privacidade completa”, opina Clemons. Ele observa que muitos usuários estavam dispostos a pagar mais por um sistema operacional que fosse fácil de usar e garantido contra a maior parte dos hackers, mesmo que isso significasse abandonar o Windows da Microsoft. “Estou esperando que Tim Cook introduza definitivamente o próximo ecossistema com 100% de privacidade. Isso mudaria tudo. Uma estratégia segura, garantida, privada e fácil de usar no segmento de computação faria com que todo o mundo mudasse de plataforma preferida”, aposta Clemons.
A Apple também tem de lidar com mudanças, sobretudo porque seu domínio se dá em mercados ricos, lembra Wind. “A nova tecnologia teria de provir de outro lugar”, declara. “Com sete bilhões de pessoas no mundo, quem sabe quais serão os desafios colocados por empresas chinesas e outras que dominam bilhões de consumidores? Eu, no lugar da Apple, não ficaria sentado esperando despreocupadamente”, alerta Wind.
Veja mais notícias sobre Tecnologia.
Comentários: