Um enorme desafio para o Snapchat
Quando Evan Spiegel, CEO do Snapchat, recusou a oferta de compra do Facebook há três anos, sua decisão deixou muitos observadores chocados, pois eles não conseguiam acreditar na ousadia de uma start-up pequena e que não dava lucro. Mas a aposta feita está prestes a produzir o retorno esperado. O Snapchat, um aplicativo com câmera e mensagens instantâneas que caiu no agrado dos jovens, deverá abrir o capital no ano que vem com um valor estimado de pelo menos US$ 25 bilhões.
Quem tem mais de 35 anos talvez não entenda como um aplicativo surgido há 5 anos, e equipado com recursos tolos, possa ser mais atraente para os investidores do que o Twitter, que enfrenta dificuldades para encontrar comprador – embora seja uma marca tecnológica bem estabelecida cujo serviço é usado por muitos chefes de Estado. Contudo, o Twitter enfrenta dificuldades, enquanto o Snapchat se mantém surpreendente versátil.
Desde 2013, o público do Snapchat nos Estados Unidos teve uma taxa composta de crescimento anual de cerca de 76%. Calcula-se em 220 milhões a 250 milhões de usuários ativos mensais, dos quais um total de até 85% tem idades entre 13 a 34 anos. Por outro lado, o Twitter teria crescido apenas 3% em média em número de usuários mensais ativos no mundo todo, chegando a um total de 313 milhões no segundo trimestre em comparação com o ano anterior. Este ano, os usuários ativos diários do Snapchat somaram 150 milhões ultrapassando o Twitter. À medida que se aproxima a IPO da empresa, o que se coloca diante dos investidores é o seguinte: o Snapchat cairá na mesma armadilha de crescimento lento do Twitter?
Ron Berman, professor de marketing da Wharton, afirma que a resposta depende de como o Snapchat planeja corrigir o curso da companhia. “A questão estratégica consiste em saber se o Snapchat está mais próximo do Twitter ou do Facebook no que diz respeito ao uso e ao usuário. Ao se aproximar mais do Facebook com um conteúdo mais rico e ao se integrar mais adequadamente ao conteúdo comercial e privado, o Snapchat poderá vir a se tornar o substituto do Facebook e, desse modo, monetizar sua plataforma”, opina Berman. O xis da questão aqui são os dados. O Facebook tem inúmeras informações riquíssimas sobre seus usuários que vão além da idade e do sexo deles. Ele sabe do que o usuário gosta, quais são seus hobbies, conhece a relação que tem com a família e muitos outros dados. Já o mesmo não acontece com o Twitter. “O desafio de monetização do Twitter tem a ver com dados. Diferentemente do Facebook, o Twitter não tem tantos dados assim sobre a faixa etária do usuário, suas preferências, do que ele gosta ou não gosta”, avalia Jonah Berger, professor de marketing da Wharton. O Snapchat tem o mesmo problema do Twitter. “É claro que há tráfego, mas a empresa não sabe muita coisa do usuário, por isso fica mais difícil atendê-lo com anúncios direcionados, o que torna mais difícil ganhar dinheiro”, acrescenta Berger.
A resposta de Spiegel consiste em aprofundar o envolvimento do usuário com o Snapchat acrescentando mais recursos lúdicos, bem como notícias e outros conteúdos. Por exemplo, o aplicativo oferece aos usuários “filtros geográficos” para que eles apliquem sobre suas fotos ou snaps. Desse modo, um usuário da Filadélfia pode, por exemplo, sobrepor o nome da Universidade da Pensilvânia [à sua foto ou vídeo]. Outro recurso de sucesso é a possibilidade de trocar de rosto com os amigos. Os usuários do aplicativo também podem descarregar “lentes” em selfies para que se pareçam com cachorrinhos ou abelhas.
Com relação ao conteúdo, a empresa divulgou um recurso semelhante ao feed de notícias do Facebook chamado “Histórias”, que permite ao usuário compilar diferentes experiências. As histórias e os snaps são armazenados em álbuns de “Memórias”. As “histórias vivas” permitem às pessoas em um mesmo evento contribuir com um fluxo de experiências. Ao mesmo tempo, uma nova seção batizada de “Descoberta” mostra artigos da CNN, BuzzFeed e outros sites. De acordo com a Recode, a empresa está negociando o desenvolvimento de uma série de vídeos, os “Snapchats Shows”. Esses novos serviços terão anúncios.
O negócio da Snapchat vem crescendo rapidamente. Para este ano, a empresa projeta receitas de US$ 250 milhões a US$ 350 milhões, o que representa um aumento de 500%, ante receitas de US$ 59 milhões em 2015. Para o próximo no, a meta de receitas é de US$ 500 milhões a US$ 1 bilhão. “O Snapchat fez um excelente trabalho até agora de monetização do seu serviço, apesar de contar com um público famoso por sua instabilidade. Além de anúncios tradicionais, a empresa lançou um serviço de lentes patrocinadas que permite ao usuário aplicar filtros às suas selfies”, observa Kartik Hosanagar, professor de operações, informações e decisões da Wharton. Uma lente patrocinada pela Taco-Bell, por exemplo, transformava o rosto do usuário em um taco falante ? inclusive com aquelas sobrancelhas flamejantes e com o sino, marca registrada da empresa, estampado no fundo. A ação contabilizou 224 milhões de visualizações em um dia. “Esse tipo de aliança é um exemplo excelente de integração sem rusgas do marketing à experiência do usuário. Ela não prejudica sua experiência, além de gerar um valor significativo ao anunciante”, aprova Hosanagar.
Um levantamento feito pela Variety em março mostrou que a estratégia do Snapchat pode estar funcionando. Cerca de metade dos usuários do aplicativo com idades entre 13 e 24 anos dizem consultar o Live Stories ou o Discover no mínimo diariamente. Além disso, somente 12% acharam que havia anúncios demais, ao passo que 50% disseram que o volume de propagandas era tolerável. Na outra extremidade, o aplicativo lançou um API [instruções e padrões de programação para acesso a um aplicativo ou software] de anúncios que facilita a compra de publicidade em escala pelos profissionais de marketing. Fora os anúncios, o Snapchat também gera receitas através da cobrança de serviços como a criação de filtros geográficos personalizados (a partir de US$ 5), bem como o replay de snaps recebidos (US$ 0,99). Vale a pena notar que a empresa acaba de anunciar um hardware de alta tecnologia: o Spectacles. Trata-se de um par de óculos elegante com câmeras embutidas que fazem vídeos curtos e cujo upload é feito no Snapchat via Wi-Fi ou Bluetooth.
Esse hardware inusitado impressionou Peter Fader, professor de marketing da Wharton. “Comparado com o Twitter, o Snapchat tem sido mais ousado na criação de coisas desse tipo em que o cliente está sempre no centro”, destaca ele. Além disso, diferentemente do Twitter, o Snapchat não receia em cobrar do usuário aquelas coisas que podem gerar valor adicional para o consumidor. Fader acha que as pessoas se habituarão às tarifas ? da mesma forma como acabaram aceitando o serviço premium do LinkedIn. “Quanto mais valor agregado você oferecer, tanto mais as pessoas acabarão aceitando os preços. O Snapchat mostrou que está disposto a isso”, ressalta Fader. Tanto é assim, que Spiegel mudou recentemente o nome da empresa para Snap Inc., sinal de que o futuro dela não dependerá apenas das mensagens temporárias. “No início do nosso negócio, fazia sentido batizar a empresa de Snapchat Inc., porque o Snapchat era o nosso principal produto”, escreveu Spiegel em um blog em setembro. “Agora que estamos criando novos produtos, como o Spectacles, precisamos de um nome que não se restrinja apenas a um produto ? mas que não apague a familiaridade e a diversão proporcionadas por nossa equipe e por nossa diretoria”, finalizou.
Snap, a plataforma
Conclusão: o serviço oferecido pelo Twitter permaneceu basicamente o mesmo, ao passo que o Snapchat continuou inovando para se manter competitivo. “A valorização da empresa, hoje em US$ 25 bilhões, talvez reflita a possibilidade de que aquilo que hoje é um serviço de entretenimento e de mensagem de vídeo, possa vir a se tornar um aplicativo dotado de um portfólio que hospedará funções de pagamentos e de comércio eletrônico que excederão sua capacidade atual”, observou a Bloomberg Intelligence. Segundo a Bloomberg, uma pista para a reinvenção do Snapchat pode ser encontrada na série de aquisições feitas desde 2014. Foram adquiridas, entre outras, a Vurb, um aplicativo de busca móvel; Obvious Engineering, uma companhia de fotos 3D; a Bitstrips, empresa de emoji pessoal e de revistas em quadrinhos; a Looksery, que oferece serviços de transformação de rosto incorporado às lentes do Snapchat; a Scan.me, start-up de código QR; a Vergence Labs (responsável pelo Spectacles) e o serviço de bate-papo em vídeo AddLive.
Será fundamental para o Snapchat priorizar sempre o cliente em seu processo de crescimento. “O Snapchat, ou qualquer serviço que colete dados de texto do cliente, pode recorrer ao Processamento de Linguagem Natural e à análise de sentimento para compreender a mente do consumidor. Tudo, desde fotos armazenadas até o gosto musical, pode contribuir com sinais muito fortes do seu ‘eu latente’ e, portanto, com a identificação dos produtos preferidos do consumidor”, revela Eric Bradlow, professor de marketing da Wharton. É importante destacar que o Snapchat é uma fonte de dados em tempo real que pode fornecer dados de transações feitas e insights do consumidor. “Em seguida, o dinheiro começa a fluir oriundo da publicidade, de recomendações do produto e uso de dados como fonte de informações para as empresas”, avalia Bradlow.
Jerry Yoram Wind, professor de marketing da Wharton, acrescenta que o Snapchat pode evitar a sina do Twitter se colocar em prática os seguintes passos: redefinir os anúncios para que se tornem mais participativos, de tal modo que sejam relevantes e respeitosos, práticos, de grande valor, excepcionais para a experiência do cliente e que mereçam ser partilhados, e assim alavanquem o crescimento da base de usuários tornando-se uma rede engajada em torno de uma plataforma em evolução; garantir suas atividades de geração de conteúdo juntamente com conteúdo gerado pelo usuário, além de produzir comunidades participativas que criem fontes de receitas adicionais que vão da publicidade ao comércio eletrônico.
“À medida que as comunidades participativas vão se desenvolvendo, outras fontes de receitas poderão surgir como, por exemplo, tarifas de assinatura para membros e novos patrocínios de marcas. O Snapchat poderá acrescentar também marcas à sua série atual de canais de mídia”, projeta Wind. Para ele, à medida que o aplicativo começar a gerar dados valiosos sobre seus usuários, o tratamento correto dado aos itens referentes à privacidade pode levar a uma geração de faturamento maior centrada na analítica de dados. Wind ressalta ainda que o Snapchat atualmente está mais voltado para os usuários norte-americanos e, como tal, tem uma oportunidade extraordinária de crescimento no exterior. “Com uma liderança certa, inovadora e corajosa, a empresa tem grandes chances de satisfazer suas próprias expectativas e as do mercado de ações”, prevê.
Mercados em baixa
A L&F Capital Management, acionista do Facebook, apresenta o caso de mercado em baixa para o Snapchat. Em recente artigo opinativo no Seeking Alpha, lê-se que as características do aplicativo são “facilmente replicáveis” e que o Instagram, de propriedade do Facebook, acabará atraindo um grande número de adolescentes para o Snapchat. Depois que o Instagram anunciou suas “Histórias” temporárias, o aplicativo cresceu 60% equiparando-se ao Snapchat em apenas dois meses, saltando para 100 milhões de usuários ativos diários. “O Snapchat será vítima dos planos de consolidação do aplicativo do Facebook. Através da replicação e da melhora das características básicas do Snapchat, o Facebook consolidará sua base de usuários e retomará seu público jovem, de extrema importância para a empresa”, previne o texto.
Contudo, o Facebook tentou em vão imitar o Snapchat com o recurso de “Cutucar”; em seguida, fez uma oferta pela aquisição da empresa. Há sinais de que a influência do Facebook sobre os jovens está em declínio: em novembro, a Piper Jaffray divulgou os resultados de uma pesquisa segundo a qual a interação com o Facebook está diminuindo entre os jovens e que a empresa está perdendo terreno para o Snapchat e o Instagram. Contudo, o Facebook continua ousado: a empresa estaria testando na Austrália um clone das Histórias do Snapchat chamado Messenger Day, que também desaparece em 24 horas.
“No futuro, o maior desafio do Snapchat consistirá em continuar relevante à medida que a geração atual de usuários for envelhecendo e uma nova geração surgir em 5 ou 10 anos”, aposta Hosanagar. “Embora o aplicativo esteja na moda hoje, não há empresa que não queira a audiência do público jovem. Assim que surgir uma coisa nova, eles migrarão para lá”, acrescenta Berger. “O interessante é que disseram a mesma coisa do Facebook 10 anos atrás e, desde então, muita gente que tem perfil no Facebook envelheceu. Quando as plataformas conseguem manter seus usuários envolvidos e a atividade se torna um segundo hábito, o que se espera é que os anunciantes se sintam mais atraídos com o envelhecimento da base de consumidores. Creio que, atualmente, os anunciantes ainda estão fazendo experiências com o Snapchat. Com o tempo, porém, é possível que eles se sintam mais confiantes para anunciar na plataforma”, garante Berman.
*Serviço gratuito disponibilizado pela Wharton, Escola de Administração da Universidade da Pensilvânia, e pela Universia, rede de universidades que tem o apoio do Banco Santander.
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