Entenda o que são eventos climáticos extremos e como eles estão mais frequentes
Os temporais que atingem o estado do Rio Grande do Sul desde o fim de abril já afetaram, até a manhã de terça-feira (7), cerca de 80% dos municípios, segundo boletim da Defesa Civil estadual. O balanço aponta ainda 90 mortes confirmadas decorrentes dos temporais e outros quatro óbitos em investigação. As chuvas e enchentes reforçam o alerta sobre a frequência dos eventos extremos no Brasil. Também percebidos nas ondas de calor acima do normal para algumas épocas do ano, que superam médias históricas, esses acontecimentos muitas vezes são alvos de dúvidas, peças desinformativas ou negacionismo nas redes. Em 2023, o Rio Grande do Sul já havia enfrentado em setembro a passagem de um ciclone extratropical que causou ao menos 50 mortes. No mesmo ano, em fevereiro, temporais no litoral norte de São Paulo destruíram casas e provocaram deslizamentos de terras. Ao todo, foram 65 mortes. Em 2022, Petrópolis (RJ) viveu sua maior tragédia em função das fortes chuvas que deixaram 4 mil desabrigados e 235 mortos. A Lupa levantou uma série de estudos e ouviu especialistas em geografia e climatologia para questionar se essas ocorrências estão relacionadas com as mudanças climáticas e esclarecer dúvidas sobre o que pode ser caracterizado como um evento climático extremo. Confira.
Afinal, o que é um evento climático extremo?
Um evento climático extremo é um fenômeno que ocorre em volume acentuado e fora dos níveis considerados normais. É preciso levar em consideração fatores como frequência e intensidade para analisar a extremidade de um evento climático, para que se diferencie, por exemplo, a ocorrência de chuvas normais e esperadas já previstas pelas médias climáticas. Essa concepção é defendida pelo Painel Internacional para Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês), em relatório publicado em 2021. De acordo com o Observatório do Clima e Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), os eventos climáticos e meteorológicos extremos, geralmente, são classificados como de origem hidrológica (inundações bruscas e graduais, alagamentos, enchentes, deslizamentos); geológicos ou geofísicos (processos erosivos, de movimentação de massa e deslizamentos resultantes de processos geológicos ou fenômenos geofísicos); meteorológicos (raios, ciclones tropicais e extratropicais, tornados e vendavais); e climatológicos (estiagem e seca, queimadas e incêndios florestais, chuvas de granizo, geadas e ondas de frio e de calor).
"Nos últimos 10, 20 anos a gente percebe no Brasil muitas catástrofes de massa, como as que ocorreram na região de serra do Rio de Janeiro, em São Sebastião, em São Paulo, no sul da Bahia, aqui em Recife em 2022", relembra o professor Osvaldo Girão, do Programa de pós-graduação em geografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). "Então esses eventos geralmente estão dentro da questão do contexto climático, por exemplo, mas a questão é a intensidade", reforça. De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), o ano de 2023 bateu recorde de ocorrências de desastres hidrológicos e geohídricos no Brasil. Foram 1.161 eventos de desastres, sendo 716 associados a eventos hidrológicos, como transbordamento de rios, e 445 de origem geológica, como deslizamentos de terra. Antes, 2022 e 2020 também registraram recordes pelo mesmo monitoramento, que aponta uma crescente.
O professor e pesquisador em climatologia Emerson Galvani, da Universidade de São Paulo (USP), também aponta que, nas últimas décadas, a frequência desses eventos passou a ser mais observada. "As chuvas estão ficando mais concentradas, embora os volumes totais anuais não apresentem tanta diferença. No litoral norte de São Paulo, em fevereiro do ano passado, a gente teve pluviômetros que registraram 590 milímetros em 24 horas. Então, o fato é que a elevação de temperatura do planeta tem produzido maior calor, maior energia no planeta e isso tem potencializado, sim, eventos extremos de precipitação e ondas de calor", destaca o professor da USP.
Estudos apontam aumento de eventos climáticos extremos
A ocorrência de eventos climáticos no país tem sido tema de diversos estudos publicados em revistas científicas. Na USP, foi desenvolvida uma pesquisa que apontou o aumento de eventos climáticos extremos na região metropolitana de São Paulo. O estudo publicado em 2020 na revista Annals of the New York Academy of Sciences revela que houve um aumento significativo no volume total de chuvas. Entre 2001 e 2020, a região metropolitana de São Paulo teve 11 tempestades acima de 100 milímetros. A título de comparação, de 1941 a 2000, houve somente a ocorrência de dez eventos de chuva intensa com esse mesmo volume. "Episódios de chuvas mais fortes podem aumentar o risco de inundações frequentes e repentinas e deslizamentos de terra em áreas expostas, onde a população e as infraestruturas vulneráveis podem ser alocadas", apontou o estudo.
Pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostrou também que as temperaturas estão cada vez mais altas na costa sudeste e sul do país. O estudo, que foi publicado na revista Scientific Reports em abril de 2023, analisou uma série histórica de dados de temperatura do ar observados nos últimos 40 anos em cinco regiões costeiras do país: Maranhão (em São Luís), Rio Grande do Norte (na capital Natal), Espírito Santo (em São Mateus), São Paulo (no município de Iguape) e Rio Grande do Sul (em Rio Grande). A pesquisa constatou que toda a costa brasileira já está sofrendo algum tipo de impacto das mudanças climáticas. As regiões Sul e Sudeste foram as que registraram maior mudança nas ocorrências diárias de extremos máximos de temperatura e das ondas de calor. Na análise das últimas quatro décadas, a ocorrência de eventos extremos de temperatura quase dobrou em São Paulo, dobrou no Rio Grande do Sul e quase triplicou no Espírito Santo.
O que é mudança climática?
Segundo o IPCC, as mudanças climáticas se referem a alterações no estado do clima que podem ser identificadas por alterações na média ou na variabilidade das suas propriedades e que persistem por um período prolongado, normalmente décadas ou mais. Ainda de acordo com o painel internacional, as alterações climáticas podem ser consequência de processos naturais internos ou a forças externas, mas também pela atuação do homem quando se trata da emissão de gases do efeito estufa, por exemplo. "As mudanças climáticas são mudanças nos parâmetros da atmosfera, principalmente temperatura e precipitação, mas envolvem também atributos de umidade, radiação solar, vento e pressão atmosférica, por exemplo", pontua o professor Galvani, da USP. Para que um evento possa ser caracterizado também como mudança climática, é preciso que sua ocorrência tenha sido observada por, no mínimo, 30 anos. "A atmosfera apresenta variabilidade de ano para ano, tem ano que chove mais e tem ano que chove menos, isso é um processo natural. Mas quando a gente percebe que essa variabilidade é persistente para mais ou para menos em uma série longa de dados, de no mínimo 30 anos, aí podemos inferir que estão ocorrendo mudanças climáticas", explica.
Ainda segundo Galvani, há um consenso científico que aponta que a Terra está passando por mudanças climáticas — ao contrário de peças desinformativas que dizem. "Existe um pequeno número de cientistas que ainda não convalida dessa leitura. A grande maioria faz parte do consenso de que há uma mudança climática em andamento, em especial por conta da elevação de temperatura, vide os últimos dados de temperatura média planetária que apresentaram um aumento significativo", destaca. "Então, o consenso existe, a temperatura planetária está aumentando, sim", reforça.
Qual a relação do El Niño com eventos extremos?
O El Niño é um sistema que se relaciona com o oceano e a atmosfera. Ou seja, é um momento em que o oceano pacífico equatorial está mais quente do que a condição média histórica. Dessa forma, quando as águas se aquecem, há um aumento da concentração de vapor de água na atmosfera, o que eleva a temperatura e a frequência de chuvas. O fenômeno se inicia na metade de um ano e se encerra no final do ano seguinte. No caso das enchentes de setembro de 2023 no Rio Grande do Sul, por exemplo, o professor Emerson Galvani, da USP, afirma que as inundações foram provocadas por uma combinação de fatores, entre eles o El Niño e a passagem do ciclone extratropical que provocou a elevação do nível do Rio Taquari (que afetou a região). Já nas enchentes que atingem o estado agora, resquícios do El Niño voltam a ser mencionados, desta vez agravando a onda de calor na região central do Brasil, que acaba por bloquear a passagem das frentes frias — que rapidamente chegam ao Sul — para a região Norte. São fenômenos que podem ser previstos, mas que em ambos os casos ocorreram com uma intensidade superior.
"Já existiam previsões, nós já sabemos que, em anos de El Niño, o Sul do Brasil, de modo geral, é mais úmido, mas a gente não consegue acertar exatamente a latitude e a longitude onde [o evento climático] vai ocorrer, que é um fenômeno de grandes proporções", ressalta o professor da USP. Girão destaca ainda que a manifestação dessas ocorrências climáticas está se desenvolvendo de maneira mais intensa que a previsão. Além disso, como aponta o professor da UFPE, o fenômeno se manifesta de outras formas em outros estados do país. "Cientificamente, sabe-se que o El Niño causa estiagens na região Norte e Nordeste do Brasil, causa na região Centro-Oeste e Sudeste a formação de massa de ar quente e, historicamente, o El Niño tem sido um fator que agrava enchentes na região Sul", enumera.
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