O risco de andar no escuro
O Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 6.330/2019 que será encaminhado para Câmara de Deputados. O texto propõe que quimioterápicos orais sejam automaticamente incluídos na lista de medicamentos de cobertura obrigatória por planos de saúde, logo após aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ou seja, sem passar pela avaliação da Agência Nacional de Saúde (ANS). O objetivo é acelerar inclusão de remédios para uma doença que tem muita importância epidemiológica: até 2030, o câncer será a principal causa de mortalidade no planeta.
Embora a primeira impressão é que se amplia benefícios para usuários de planos de saúde, não é pertinente celebrar sem saber quantos se beneficiariam e quantos seriam prejudicados com tal medida. Com recurso finito, optar por uma inclusão significa abdicar de outra. A inclusão de forma irrestrita de tecnologias, tratando medicamentos com alto impacto da mesma forma que os de ganho marginal e/ou "me too" (remédios mais caros que somente oferecem o que os já disponíveis fazem) pressiona o cálculo atuarial e os preços dos planos de saúde, calculados com base na sinistralidade, inevitavelmente aumentam. Não tem mágica. No contexto de mutualismo, justamente o paciente (ou empregador, no caso de planos empresariais) mais vulnerável economicamente não consegue acompanhar esses reajustes, ainda mais em momento tão sensível da economia.
Objetivo não é propor mais dificuldade de acesso, mas salientar a importância de análises ágeis, completas e científicas para as tomadas de decisão. Enquanto o mais pertinente seria que todo o remédio, independente da via de administração, passasse por essa avaliação, o projeto de lei retira essa etapa para que nenhum medicamento seja! Esvaziar o papel de uma agência reguladora é o primeiro passo para desproteger o usuário. Cuidado esse, de alguma forma, serve também para o sistema público. Paciente que não tem capacidade de absorver aumentos, migra para o já sobrecarregado SUS. E assim, se aumenta mais a distância entre público e privado. Qualquer caminho que não busque reduzir inequidade não é solução completa.
Em países com sistemas de saúde com responsabilidade orçamentária são realizadas análises de custo-efetividade e impacto de custo. É legítimo que se proponha mudanças em fluxos imperfeitos (o atual peca pela lentidão de atualização), mas não sem a pertinente análise completa dos riscos e benefícios. É como andar no escuro, com risco de trocar uma parede por um desfiladeiro.
*Médico oncologista especialista em economia da saúde
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Comentários: 4
Espero que o texto não tenha sido "encomendado". A reportagem parece antagônica, em momentos ressalta a importância da ANS homologar um medicamento e depois fala do impacto de custo para o usuário.
Acredito que a inclusão de novos medicamentos sejam bem-vindos, tendo em vista a possibilidade que eles teriam de combater a doença. Com relação à ANS, ela que seja mais rápida em suas avaliações e também tome as conclusões já existentes em outros países em relação aos medicamentos em questão. Quem está doente não pode esperar!!!!
O texto é muito oportuno, pois usuários e empresas não aguentam mais ter aumentos. É evidente que inclusão irrestritas de remédios eleva preços dos planos (meu sogro usou um remédio que custava R$ 40 mil por mês para controlar a doença e existiam opções equivalentes de custo muito menor). Se não tiver regulação, o céu é o limite.
Ao contrário de muitos países europeus, que contam com agências de avaliação de tecnologias em saúde desde os anos 1980 e somente incorporam o que tem custo efetividade comprovada, o Brasil caminha para trás. Decisões técnicas sendo politizadas e tratadas em esferas inapropriadas. A população pagará um preço muito alto, caso essa Lei seja aprovada.