À procura da saúde perdida

Não está fácil envelhecer. Nunca fui um sujeito comedido e tampouco é de meu feitio respeitar limites, sequer os ditados pelo mais puro bom senso. Na verdade, sempre fui de índole larga, expansiva e quase espaçosa. Não me arrependo, pois foi graças a...
À procura da saúde perdida

Não está fácil envelhecer. Nunca fui um sujeito comedido e tampouco é de meu feitio respeitar limites, sequer os ditados pelo mais puro bom senso. Na verdade, sempre fui de índole larga, expansiva e quase espaçosa. Não me arrependo, pois foi graças a ela que tive a vida que quis. Mas parece que começam a chegar as faturas de quase seis décadas vividas longe de médicos, sem jamais ter conhecido o que seja uma cirurgia ou um dedo quebrado. O que quer que resulte de tanto exame, procuro entender os códigos desses ambientes que jamais integraram minha vida, salvo por ocasiões em que fui obrigado a fazer check-ups por imposição das empresas por onde passei ou por insistência de alguma namorada. Jamais por iniciativa própria em todo caso. De qualquer sorte, esses locais assépticos são tão surreais que me sinto totalmente deslocado neles, sem saber onde termina a piada e onde começa a realidade. E vice-versa.

Mas vamos aos fatos, forma mais convincente de ilustrar o que digo. O médico clínico que me atende, reconhecido pelo rigor draconiano, redigiu uma lista com meia centena de exames. Um deles, um certo PSA – que o Google me soprou ser a sigla de Antígeno Prostático Específico – me levou a uma situação quase divertida. Isso porque quando entreguei a requisição à linda recepcionista, ela me perguntou se eu montara a cavalo nas últimas 48 horas. Olhei para trás para ver se seu leve estrabismo a estava traindo e, de fato, se dirigisse a alguém às minhas costas. Mas não havia ninguém. Diante de meu sorriso apalermado, ela repetiu enfática a pergunta. Então o sangue nordestino subiu à cabeça: "Ô, minha filha, se até em elefante tailandês eu sou proibido de subir para preservar o bichinho de sobrecarga, como diabo vou eu andar a cavalo com semelhante peso em pleno asfalto?". É pergunta de procedimento, disse com os olhos marejados.         

Bem, vamos ver o que virá do exame. Enquanto esperava minha vez de tirar sangue – fazendo careta para uma câmara que parecia querer focar a expressão dos pacientes –, a pouca memória médica me levou ao exame de toque de próstata que fiz há muitos anos pelas mãos – ou deveria dizer pelo dedo – de um certo Dr. Zoroastro, do hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo. O nome do circunstante já dizia muito sobre complexos de rejeição, pensei na época. Daí a escolha de uma especialidade tão sinistra. Como meus colegas sabiam que eu passara por esse rito iniciático pela manhã, deixaram sobre a minha mesa um enorme buquê de flores do campo com um cartão onde se lia: "Gostei de te conhecer. Apareça. Zoro, teu astro". Naquela época tudo era farra. Tínhamos todos 30 anos, alguns até menos, e eles queriam saber como era o tal exame. Espero que o episódio do cavalo não tenha sido o último engraçado dessa crônica de aventuras rumo ao desconhecido.

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Quinta, 12 Dezembro 2024

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