Olhai os girassóis do campo
O que mais me impressionou na Copa do Mundo até agora aconteceu fora das quatro linhas. No aquecimento dos jogadores brasileiros, percebi que o sublime estava bem ali e que nada que os atletas fizessem contra a Suíça superaria em beleza os tons dramáticos daquele anoitecer de verão no céu de Rostov. Que eu saiba, sequer os locutores chamaram a atenção para os muitos matizes de roxo, escarlate, magenta e rosa, aquela linda paleta de cores que se desenhou sobre o rio Don. Sob o céu carmesim, imaginei os caminhos que derivam do estádio, o epicentro das atenções. E daí veio a pergunta: será que os jogadores sabiam onde estavam?
Privado das delícias desses trajetos que me encantaria tanto percorrer, me compraz imaginar que a oeste dali está a bela Kiev, na Ucrânia. Mais ao sul, o mar de Azov, tributário do estratégico Mar Negro. De novo: será que os jogadores imaginam que do outro lado de Sochi, a uma boa distância, palpita Istambul, cidade onde muitos deles já foram jogar? Não sei. Alguém pode dizer: mas que diferença faz o jogador saber que Moscou fica ao norte e que eles não estão longe da zona conflagrada da Crimeia, objeto de anexação dos russos? Para mim faria muita. Se fosse Tite, chamaria alguém para entretê-los com essa geolocalização.
É claro que podemos sempre argumentar que a imensa maioria desses jovens deixou a escola em favor da bola e tem mais horror a uma aula expositiva do que eu a consultório médico. Pois bem, que Tite – tão metido a psicopedagogo – os leve então para esticar as pernas no Hermitage, quando em São Petersburgo. Que vão ver uma apresentação do balé Mariisnky. Pois submeter essa moçada à desintoxicação digital faria bem. É comum que encontros entre banqueiros e clientes aconteça no MoMa ou mesmo no restaurante do Guggenheim. Com que propósito? Desopilar, abstrair-se em meio da arte para conseguir ver longe.
Em suma, não quero atribuir o desempenho pífio e individualista do jogo contra a Suíça ao mimimi do treinador e sequer à falta de bens de cultura na concentração. Mas por que não tirar uma tarde e levá-los para um passeio energizante nas belas montanhas de Sochi? Foi nesse contexto que vi uma foto em que Pelé e Garrincha caminham lado a lado pelas ruas de Estocolmo. E vejam bem, os tempos podiam ser outros, mas falo de deuses do futebol, não de aspirantes. Houve tanta interação entre a Seleção e o povo da Suécia, que até um filho Garrincha fez por lá. Além do mais, é boa política de relações públicas.
Nesse contexto, se do Brasil nossos milionários escaparam para o Galeão à sorrelfa, com medo de assaltos e roubos de relógios caríssimos e correntes de ouro de bicheiro, na Rússia – que eles terminarão sem conhecer – bem que poderiam por um momento esquecer Brunas e Anittas, o cabeleireiro e a Lamborghini, e abstrair-se das cápsulas do universo "boleiro". Isso sim, professor Tite, seria inovar em sua pedagogia, você que tem uma queda por ser uma espécie de Leandro Karnal de cabelos. Se furar a bolha e der um pouco mais de luzes a esse universo monocromático dos comandados, talvez eles reatem com o futebol de verdade.
Convenhamos, entrar com uma "representação" contra a FIFA para justificar um empate bisonho não está à altura de nossa tradição. Quer saber? Da próxima vez, sugira-lhes olhar os céus de Rostov. Ou, ainda melhor, leve-os para ver os lendários girassóis da Rússia. Talvez lembrem de Mateus: "Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam; e eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles". Humildade, não é benzer-se dez vezes, declarar amor à família e honrar as origens. Ser humilde é aproveitar as viagens para dar-se conta de nossa insignificância e, então, fazer o melhor.
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