O efêndi e os Coletes Amarelos

Por temperamento, não gosto do Estado. Balofo, guloso, indolente e mentiroso, a vida pública pode transformar pessoas virtuosas em viciosas, e já vi isso acontecer muito de perto. Quintessência de seu exercício, políticos de toda patente e extração e...
O efêndi e os Coletes Amarelos

Por temperamento, não gosto do Estado. Balofo, guloso, indolente e mentiroso, a vida pública pode transformar pessoas virtuosas em viciosas, e já vi isso acontecer muito de perto. Quintessência de seu exercício, políticos de toda patente e extração estão em baixa no mundo todo. Certa feita, nos anos 1990, presenciei no aeroporto dos Guararapes o embarque de um parlamentar, eleito pelo Agreste de Pernambuco. Rapagão alto e bem nutrido, ficava a metros do balcão enquanto um ajudante de ordens lhe providenciava o check-in e, cúmulo do coronelismo, lhe carregava a pasta. Essa fatura, pensei, um dia chegará a cavalo. Como pode um dos mais jovens congressistas ter desde tão cedo os cacoetes de um efêndi do Império Otomano? Quem ele pensa que é quando se vê no espelho? A República nem sempre é palatável aos que se esbaldam nos mimos do poder, mas ela encontra seus caminhos e prevalece, muitas vezes à força. 

Bem a propósito, aí estão os manifestantes do movimento Coletes Amarelos. Enquanto Macron autoriza uma reforma milionária no palácio do Elysée, lá na França profunda, longe de Paris, jovens de 30 anos nunca souberam na vida o que é tirar uns dias de férias com suas famílias. Da disfunção, vem a revolta. O lado ruim dos protestos é que estes são infiltrados por delinquentes. Paramentados do coletinho fosforescente, dissimulam a torpeza na turba, ateiam fogo a carros e saqueiam lojas de luxo. Com isso, perde tração o "malaise" civilizacional que alimenta a boa reflexão. Assim sendo, se a criação de Brasília foi nossa segunda maior catástrofe depois da escravatura, é tempo de abolirmos o que não se explica. É lícito, por exemplo, que acorram centenas de políticos para "prestigiar" a cerimônia de posse de um ministro às nossas expensas? Como se sentem os escorchados ao ler sobre infindáveis rega-bofes, quando estes só se prestam a dar visibilidade a quem já tem muita? 

Nesse contexto, não é fortuito que parte expressiva da sociedade ache que o Estado quer mesmo é extorquir a classe média e insiste em dar mais a quem não precisa. Escandir que não se preocupa com o fim do mundo, e sim com o fim do mês, é a melhor fórmula que os Coletes Amarelos acharam para aludir a seus horizontes precários e acanhados. Daí a enorme simpatia popular que vem suscitando. O efeito colateral mais nocivo do transbordamento, contudo, é a criminalização da riqueza. Pobres e remediados tendem a achar que quem é rico se locupletou com facilidades oficiais. Ora, a aplicação desta regra é falsa. Sem os ricos, a força de trabalho mais talentosa iria enxugar gelo em autarquias ou na academia e estagnaríamos como país. Ricos quase sempre têm uma boa história para contar. E conseguem enxergar com a clarividência que falta a governos, o que está por vir. Tem mais: ricos abriram a picada a facão e, contrariamente a políticos, não se incomodam de carregar a própria bagagem nos aeroportos.        


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Quinta, 21 Novembro 2024

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