O destino das tartaruguinhas
De vez em quando, assistimos na televisão àqueles documentários em que centenas de tartaruguinhas rompem a casca dos ovos e ensaiam passos chaplinianos rumo à água. A depender de onde estejamos – pode ser na praia do Forte, por exemplo –, ainda conseguimos ver pela manhã os vestígios na areia daquelas mini criaturas que, guiadas pelo instinto, conseguiram (ou não) chegar ao mar. Mas como sabemos, é só a primeira etapa de uma longa peleja pela vida. Isso porque são muitos os predadores que lhes podem engolir num átimo, mesmo depois de iniciadas nos caminhos marinhos. Até formar uma carapaça suficientemente dura e aprender a passar despercebidas, como fizeram suas ancestrais centenárias, elas vão precisar de todo engenho, arte e sorte.
Foi nelas que pensei ontem ao ver meu último livro na principal bancada de uma conhecida livraria lisboeta. Ao lado de Clarice Lispector, Nélida Piñon, Chico Buarque e Rubem Fonseca, logo percebi que de todos, sou de longe o mais descartável. E se porventura essa "Carta a Portugal" não girar, logo irá para as prateleiras, o que diminui imensamente as chances de ser manuseada por um leitor mais curioso. De lá, pode ser que volte ao depósito do distribuidor. Este, a seu turno, diante das pilhas amontoadas, vai telefonar para o editor e dizer que está pensando em promover uma liquidação, porque não há como ocupar tanto espaço sem perspectiva de receita. Então, sendo otimista, imagino uma boa resenha de jornal que motivará os livreiros a pedir os exemplares de volta. E assim renascerá a esperança. É como se uma tartaruga fosse salva da boca de um tubarão.
É sabido o quanto é difícil ser escritor hoje em dia. Especialmente se lhe ocorre viver de literatura. Não sendo youtuber ou astro de TV, são imensas as chances de que ninguém queira editá-lo. Mas admitindo que uma editora tenha gostado da obra, e que mostre empenho máximo em projetar seu modesto autor, o que esperar dos livreiros ao receber dúzias de títulos de venda garantida – autoajuda e biografias – que, expostos na gôndola principal, vão vender tanto quanto brioches tirados do forno? Em nome de que dar uma chance a um ilustre desconhecido que, quando muito vender, poderá bater algumas centenas de exemplares? Cúmplices e engajados, olhamos as tartaruguinhas trilhar seu caminho. Mas basta uma gaivota desocupada para abocanhar a criaturinha. E então, era uma vez um projeto de tartaruga que sonhava em conhecer todos os mares e ter filhotes de Galápagos às Ilhas Salomão.
Apesar de todas essas evidências de fracasso iminente, há de se ressaltar que sem otimismo não se faz nada. Dia desses um amigo dizia que a filha do grande editor francês Gallimard tentava ensaiar caminhos próprios na edição. E sacou de uma pilha de originais um certo "O alquimista", de Paulo Coelho, que já vinha de algum sucesso. Pois bem, ganhou tanto dinheiro que só o tradutor embolsou o suficiente para comprar um apartamento em Paris. Nada mal. Cá entre nós, o que distinguia tanto a tal tartaruga "alquimista" das demais? Ninguém sabe. É provável que o próprio autor, se desafiado a responder, dissesse: o destino. Pois bem, esta foi minha primeira semana de exposição nas livrarias portuguesas. Dá imenso trabalho chegar lá, mas de nada adiantará não ficar lá. Por quanto tempo? Não se sabe. A torcida para que ele vire uma tartaruga adulta é enorme, mas não ganha jogo. O destino também conta.
A consolar, talvez só aquele alento que acomete os que compraram o bilhete da loteria. Na noite que antecede o sorteio, ele tem todo direito a dormir cheio de sonhos. Pois assim também funcionam os escritores.
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