Jishin, jishin
Acabo de ler que as torres da Avenida Paulista tremeram na manhã desta segunda-feira, dia 2 de abril, como reflexo de um terremoto ocorrido na Bolívia. Muitos alegaram ter sentido a inescapável sensação de zonzeira, vertigem e labirintite. Certo mesmo é que poucos fenômenos da natureza podem ser tão aterradores quanto um terremoto de grande escala. É neles que penso sempre que estou em cidades situadas em zonas sísmicas criticas, como é o caso de Tóquio, Valparaíso, Istambul ou Cidade do México. No caso do Japão, então, se algum dia você escutar a expressão que dá título a este artigo, não pense duas vezes. Corra para o abrigo mais próximo mesmo porque, em se tratando da capital, há grande expectativa – negativa, é certo – para com o advento de um grande terremoto que teria terrível efeito dominó nas finanças internacionais. Pois há dinheiro no mundo para indenizar as perdas de centenas de prédios, situados na zona do metro quadrado mais caro do planeta? Ninguém sabe dizer.
Meu primeiro terremoto foi no Chile. Como tomara uma quantidade pouco convencional de "pisco sour" no jantar, achei que o lustre do quarto que balançava para um lado e outro era mero capricho de meu estado etílico. Mas quando o telefone tocou e o recepcionista me instou a descer de imediato, percebi que piscos não revolvem as entranhas da cordilheira. Em outro contexto, cheguei à Cidade do México meses depois do grande terremoto de 1985 em que mais de 400 edifícios foram ao chão. Conversei com as pessoas para saber como elas tinham vivido o momento e um concertista famoso me falou que mal conseguia se equilibrar em seu próprio quarto. Fora ejetado da cama e não conseguia se equilibrar no trajeto entre a sala e a porta de saída. Durante muito tempo, até a Copa do Mundo que lá aconteceu no ano seguinte, áreas inteiras ainda estavam isoladas e as pessoas revolviam escombros. Mas seria só em meados da década seguinte que o destino me reservava o mais impactante.
Primeiro foi quando vivi um terrível terremoto em Taipé, capital de Taiwan. Tudo começara com abalos leves de véspera. Abalos estes que eles próprios, os chineses, diziam não perceber. À noite, o desconforto persistiu. Mas foi no dia seguinte, quando eu me encontrava em reunião no escritório da Baker and Mckenzie, que as paredes começaram a ranger e a massa fina se acumulou nas cantoneiras enquanto um barulho de rufar de tambores vinha lá de fora. Aqui e acolá a fumaça de explosões. O monotrilho de concreto armado que passava por ali balançava como um varal de roupa ao sabor do vento. Meus colegas locais abrigaram-se sob a mesa, mas ali eu simplesmente não cabia. Nervosos, eles diziam: "Desta vez é muito forte mesmo". Como negar? Naquele dia, foi difícil sair do país, como queria minha namorada. Tivemos de pernoitar na incerteza no bar do hotel, para no dia seguinte embarcar para Hong Kong com indisfarçável sensação de alívio.
Nada se compararia, no entanto, a uma estada em Osaka, poucos dias depois do devastador terremoto de 1994, em Kobe, a linda cidade portuária nipônica. Apesar dos sinistros que atingiam a região, não achei adequado desmarcar as reuniões. Pelo contrário, era uma exortação simbólica que lhes fazia de que a vida continuava e os negócios também. Então, veio o fim de semana. Resolvi ir de Osaka a Kobe. Mas não havia trem-bala. Apenas uma pequena composição que levava a uma cidade sintomaticamente chamada Nada. De lá, tomaria um ônibus. À medida que nos aproximávamos do epicentro, o quadro era impressionante. Achei inadequado tirar fotos das passarelas inclinadas, das casinhas encobertas de lona azul, das imensas rachaduras ao lado dos prédios e das frestas em ziguezague que rasgavam o chão. As crianças estavam nervosas e as pessoas se falavam aos sussurros. Que alegria tive ao rever a cidade mais bela do que nunca 20 anos depois. A fragilidade das construções humanas diante da força da natureza é patente.
Isso dito, espero que não tenham sido sérios os danos aos irmãos bolivianos e que São Paulo e as outras capitais atingidas tenham retomado a rotina pós-Páscoa. Doravante, o epicentro dos abalos nacionais passa a ser a Praça dos Três Poderes, e não mais nos contrafortes andinos onde passa o Condor. Se alguém gritar "jishin, jishin" em Brasília, podem saber que estourou uma represa e que vem a caminho um "tsunami" de imoralidade. Pensando bem, as criações do homem também podem ser ultrajantes.
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