As prioridades da China em seu 15º Plano Quinquenal
Está em debate na China o 15º Plano Quinquenal, que demarca a chegada do país no nível mais importante do Programa de Reforma e Abertura desde o seu início, na virada do 5º Plano para o 6º (1976-1980/1981-85). Focados em 2035 — ano para o qual já têm metas a alcançar — e atentos às medalhas nas Olimpíadas, os planejadores chineses visam à diminuição das vulnerabilidades históricas, como água, alimentos e energia, e à regulação das questões humanas complexas, agravadas nos últimos anos pelo próprio modelo e ritmo veloz de desenvolvimento, como a redução populacional, o desemprego juvenil e as desigualdades sociais. Além de tudo isso, há a concorrência internacional feroz, marcando sob pressão o tempo todo, com o risco sempre de "jogarem areia" no comércio exterior chinês e na expansão de suas empresas e produtos pelo mundo. Outro risco real decorre da velocidade do desenvolvimento econômico da China, muito superior à da maioria dos países (Brasil inclusive), com diferenças notáveis de poder de compra de suas populações.
Aliás, no caso brasileiro, é chocante constatar que o real e o yuan estão muito próximos, quase 1 para 1, o que na prática significa perda de valor do real de mais de 50% nos últimos anos. Por isso, para nós, ficou muito caro viajar para a China. Tudo lá está caro para a moeda brasileira: comida, táxi, trens, hotéis – até o metrô. Seguem ainda uma incógnita a política cambial chinesa e a velocidade com que substituirão o dólar nas transações comerciais no exterior, coincidindo com os 80 anos dos acordos de Bretton Woods (julho de 1944), ocasião na qual os Estados Unidos conseguiram que sua moeda se transformasse na moeda mundial, à época com lastro em ouro (descartado unilateralmente por Nixon em 1971). Com US$ 770 bilhões em letras do tesouro dos Estados Unidos, pouco mais de 20% de suas reservas cambiais, e quase US$ 6 trilhões de comércio exterior, a China tem muito espaço para avançar com o yuan em todo o mundo. A começar pelo turismo, setor no qual o país é campeão mundial em gastos, tendo alcançado US$ 196,5 bilhões em 2023, bem à frente dos norte-americanos (US$ 150 bilhões), mas ainda muito distante no receptivo, no qual os campeões em 2023 continuaram sendo a França (que recebe anualmente 100 milhões de visitantes) e a Espanha (85 milhões).
A corrida científica e tecnológica não para, porque o objetivo é ser a maior do mundo, e não param também os avanços por maior produtividade industrial, que incluem a progressiva substituição de mão-de-obra — algo escancarado na construção civil, ainda em grande escala nas periferias das grandes cidades. Continua a coreografia fervilhante dos guindastes, mas há cada vez menos gente trabalhando nas obras. E a tendência é haver cada vez menos trabalhadores mesmo, pois a moda agora são as "cidades inteligentes", cuja construção é toda no estilo "Lego", com inacreditável redução do trabalho nos canteiros para 20% do que era originalmente, porque agora praticamente tudo chega pronto para montar. Vale dizer que o contingente de 52 milhões de trabalhadores (dado de 2022) da construção civil deverá diminuir progressivamente, conforme aumente a automatização dos processos e a quantidade de máquinas cada vez maiores e mais completas. E para quais atividades profissionais irão esses trabalhadores? É um universo formado em sua maioria por migrantes que abandonaram áreas rurais em busca de melhores condições de vida nas grandes cidades. Todos precisarão receber formação profissional e outras formas de apoio para conseguirem sobreviver.
O desemprego estrutural (ou "tecnológico") crescente na construção se somará ao juvenil, bem mais incômodo, politicamente falando, porque se trata de quase um terço da parcela recém-saída das universidades, com elevada carga de expectativas em termos de empregos e salários. Quanto tempo mais a economia chinesa, crescendo 5% ao ano, conseguirá manter o desemprego em níveis baixos, próximos ao "pleno emprego", como ocorreu a maior parte do tempo desde 1980? Enquanto investe em expedições à Lua, na produção de seu avião concorrente do Airbus e Boeing, em modernização da agricultura e na consolidação da "Iniciativa Cinturão e Rota" (a eventual entrada do Brasil será a "cereja do bolo"), a China continua fazendo planejamento de Estado e realizando ações políticas ousadas para dar conta de tudo misturado e ao mesmo tempo.
Quando se sai do "macro" para o "micro", continuam as demandas gigantescas por patas de frango, açúcar, pescado e outros produtos do Brasil, e as dificuldades recorrentes para a efetivação dos negócios, porque os dois lados desconfiam de tudo, da garantia do pagamento ao recebimento dos produtos. Chega a ser surreal o que acontece (e não acontece) nessa atividade. Igualmente surreal é a prática ainda vigente, em boa parte das feiras internacionais na China, dos estandes identificados apenas por ideogramas, com atendentes que falam apenas mandarim e nos oferecem cartões e materiais promocionais totalmente em mandarim. Feiras de grande porte, como o Salão Internacional da Alimentação (SIAL), ocorrida no final de maio, em Shanghai, e a Feira de Alimentos Orgânicos, em Guangzhou, em junho, ambas internacionais, nas duas cidades mais cosmopolitas da China. Essa realidade se repete no aeroporto internacional de Guangzhou, onde a pessoa no balcão de informações dentro da área de embarque só fala mandarim.
Aliás, lição das andanças de maio e junho agora: na China, vá e volte de trem. Fomos de Hangzhou para Shanghai de trem rápido, e de lá para Jinan, e depois Beijing, a velocidade de até 350 quilômetros por hora. Descemos de Beijing para Guangzhou também de trem rápido, mais de 2.100 quilômetros de distância e menos de oito horas de viagem. A única viagem de avião foi uma decepção total: longas sete horas de atraso, sem que a empresa aérea nos fornecesse um copo de água. Perdemos nossa conexão para o Brasil e só voltamos comprando outras passagens. Esses acontecimentos recentes "no rés do chão" revelam que há muito mais coisas a ajustar para aumentar a produtividade e alcançar o padrão de qualidade almejado pelas lideranças da China do que devem supor os responsáveis pela elaboração dos planos quinquenais — além do nacional, há os planos setoriais, com estratégia e metas específicas para cada um, como ciência e tecnologia, agricultura e educação, por exemplo.
As feiras internacionais têm um papel muito importante na estratégia chinesa de manter a liderança no mundo com os seus produtos industriais, para sustentar seu crescimento econômico de maneira a garantir ocupação remunerada para a quase totalidade de sua população economicamente ativa, algo decisivo para o sucesso dos planos quinquenais e do planejamento de médio e longo prazo (há questões cujo horizonte já é 2050). Daí a grande quantidade de feiras em todas as áreas. Em agosto, 30 e 31, e 1º de setembro, na cidade de Guiyang (capital da província de Guizhou, na região Sul), haverá a 13ª Exposição Internacional de Agricultura Moderna da China, focada em novas tecnologias, equipamentos, máquinas e soluções para melhorar a eficiência e sustentabilidade das atividades agrícolas. Esse evento é promovido pela Associação para a Promoção da Cooperação Agrícola Internacional, a Sociedade de Engenharia Agrícola e a Universidade Agrícola.
Chama a atenção o fato de que essa exposição ocorreu em Beijing durante os 12 primeiros anos, e este ano, em função do planejamento para o setor, ocorrerá em uma das províncias mais pobres, com o propósito de "consolidar as conquistas de Guizhou na expansão do alívio da pobreza, na promoção abrangente da revitalização rural, da modernização agrícola e para possibilitar que a maioria dos agricultores viva uma vida melhor", conforme explicação no site do evento. Tão importante quanto, a 24ª Feira Internacional da Indústria da China, em Shanghai, de 24 a 28 de setembro, é uma vitrine gigantesca do maior parque industrial do mundo, responsável por 30% do total produzido por todos os países. Estive em duas edições dessa feira, há mais de dez anos, e certamente será muito impactante visitá-la mais uma vez. Shanghai terá ainda a Expo Music, de 10 a 13 de outubro, e a poderosa Feira de Importação da China, de 5 a 10 de novembro. Essa feira é um bom exemplo de como os planejamentos chineses são traduzidos em políticas e concretizados em ações efetivas: ela foi criada pelo governo central para possibilitar a ampliação das importações, fundamental para viabilizar a decisão estratégica do 12º Plano Quinquenal (2011-2015), de redirecionar o crescimento da economia chinesa para o consumo doméstico, e não mais via exportações, como foi desde 1980.
Produtores do "agro" brasileiro talvez sejam surpreendidos com decisões desagradáveis para eles do 15º Plano Quinquenal, pois a China continua decidida a preservar sua soberania alimentar e a segurança alimentar (em quantidade e qualidade), fundamentais para garantir a alimentação da sua população, apesar das turbulências climáticas, frustrações de safra, desastres naturais e instabilidades comerciais. É uma cruel ironia o Brasil exportar 193 milhões de toneladas de grãos, sem que a população brasileira tenha total segurança alimentar. É difícil prever quais mudanças – ou permanências – o 15º Plano Quinquenal trará, ainda que seja possível se imaginar, por exemplo, que o sistema financeiro continuará sob controle do governo e financiando o desenvolvimento, o que pode ser traduzido em modernização da indústria, mais competitividade e investimentos em infraestrutura. Nada mais distante da realidade brasileira, não é mesmo?
Caso mantenha a lógica de espalhar ativos pelo mundo, o 15º Plano deverá trazer boas notícias para o Brasil em investimentos industriais, principalmente no estado de São Paulo. Evidentemente, não podemos esperar que vá se repetir o que aconteceu em Jacareí (SP), que recebeu dois grandes investimentos chineses (Chery e Sany), sem ter tido iniciativas com esse objetivo. Quem quiser receber indústrias da China, como Camaçari (BA), com a BYD em 2023, e Iracemápolis (SP), com a GWM neste ano, terá de investir em conhecer e estabelecer relacionamentos no país. Como fez recentemente até o governador de Goiás Ronaldo Caiado, interessado em obter novos investimentos chineses para o estado.
O Brasil precisa de grandes investimentos em infraestrutura, como a ponte que ligará Salvador a Itaparica, que está sendo construída por duas empresas chinesas em consórcio com o governo da Bahia; a ferrovia Leste-Oeste (e em outras regiões); e portos fluviais, hidrovias, portos marítimos, além de aeroportos regionais. Há demandas nos estados da região amazônica de barcos movidos a energia solar, internet, portos, fábricas de gelo para frigoríficos de peixes e indústrias químicas no interior para agregar valor aos produtos. Agora é o momento dos governos legislativos estaduais e federais fazerem chegar tais demandas às empresas e governos da China, para que sejam consideradas na política geral de investimentos no exterior, que contempla dezenas de países e que tem suas prioridades. E o Brasil é, sem dúvida, prioridade para a China.
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