Pesquisa da Coca-Cola sobre obesidade gera controvérsia
O patrocínio da Coca-Cola a uma pesquisa feita por umaorganização sem fins lucrativos de defesa da saúde que enfatiza a importânciados exercícios em detrimento do controle de perda de peso por meio de dietasfoi um tiro pela culatra: a empresa amargou um enorme desastre de relaçõespúblicas. Os críticos dizem que as descobertas do estudo pretendem convencer oconsumidor de que, contanto que ele se exercite, não terá de se preocupar muitocom o corte das calorias que consome — incluindo-se aí, provavelmente, osrefrigerantes saturados de açúcar. A controvérsia traz à tona a necessidade demaior transparência na realização de estudos desse tipo e do papel dospesquisadores, dizem os especialistas.
A Coca-Cola deu apoio financeiro e logístico a Global EnergyBalance Network, uma nova empresa sem fins lucrativos cujo site, gebn.org, estáregistrado na sede da Coca-Cola, em Atlanta, de acordo com uma reportagem doNew York Times. A Coca-Cola doou US$ 1,5 milhão no ano passado para a criaçãoda GEBN e destinou em torno de US$ 4 milhões para o financiamento de projetos acargo de dois professores universitários — Dr. Steven N. Blair e James O. Hill—, membros fundadores da organização, informou a reportagem. As revelaçõesfeitas tomaram proporções enormes e resultaram em uma grande polêmica para aCoca-Cola. A mensagem da GEBN “induz a erro e tem como propósito desviar aatenção de estudos recentes sobre bebidas açucaradas e sua ligação com aobesidade e com o diabetes de Tipo 1 e 2?, dizia a matéria do New York Times.
“As empresas fazem isso o tempo todo. Elas financiampesquisadores de várias universidades que lidam com os problemas que asempresas enfrentam”, disse Jason Riis, especialista em pesquisas de saúde doconsumidor. “É claro que as empresas vão investir seu dinheiro em coisas cujodesenvolvimento será vantajoso para elas.”
“Do ponto de vista médico, da saúde pública e da realizaçãode pesquisas, isso se parece muito com o que já vimos acontecer na indústria dotabaco e de remédios”, disse Karen Glanz, professora da Faculdade de MedicinaPerelman da Universidade da Pensilvânia. Glanz disse que houve uma “mudançacolossal” na última década: os médicos tiveram de revelar o financiamentorecebido de empresas farmacêuticas. “Hoje é tudo muito mais aberto”, disseGlanz em relação às companhias farmacêuticas. “Contudo, essa mudança ainda nãochegou ainda ao segmento de bens de consumo.”
Riis e Glanz discorreram sobre as lições tiradas dacontrovérsia durante o programa da Knowledge@Wharton na Wharton Business Radio,canal 111, da SiriusXM. A reaçãonegativa fez com que a GEBN divulgasse um vídeo em que o Dr. Blair,vice-presidente da empresa, supostamente criticava a ênfase dada as bebidasaçucaradas. No vídeo, mencionado pelo New York Times no início de agosto, Blairdisse: “A mídia popular e a imprensa científica acentuam coisas do tipo ‘Olhem,as pessoas estão comendo demais, muito mesmo, e como comem’ — culpando assim ofast food, as bebidas com açúcar etc. No entanto, não há, na verdade,praticamente nenhuma evidência convincente de que, de fato, a causa seja essa.”
Na declaração que deu para explicar a razão pela qual a GEBNrecolhera o vídeo, Blair disse que a empresa está sendo retratadaequivocadamente como uma rede que se preocupa exclusivamente com a atividadefísica. “Isto não é verdade e nunca foi”, escreveu. No dia 11 de agosto,enquanto a polêmica aumentava, Hill, vice-presidente da GEBN, disse que as reportagens da mídia simplificaram umaquestão complexa. “A dieta não é um componente fundamental do controle de peso,tais como são os exercícios, o controle do estresse, do sono e de fatoresambientais, entre outros”, explicou. Em resposta à controvérsia, o presidente eCEO da Coca-Cola, Muhtar Kent, comprometeu-se a dar mais transparência à forma pelaqual a empresa lida com a saúde pública e com a comunidades científica.
Dando credibilidade àpesquisa patrocinada
Na esteira dos protestos contra a pesquisa patrocinada,surge uma indagação importante: é possível fazer uma pesquisa honesta financiadapor empresas? Glanz e Riis discutiram os meios para superar essa dificuldade.“Temos de trabalhar com a indústria; no entanto, aceitar seu dinheiro e acharque não há nenhuma condição por trás disso é um pouco difícil de acreditar.”Riis acrescentou: “O segredo é a transparência.”
Linhas de falha
Onde foi exatamente que a GEBN tropeçou? De acordo com Riis,o financiamento por empresas “provavelmente” influencia o resultado dosestudos. A pesquisa mostra que os “estudos patrocinados por empresas como aCoca-Cola tendem mais a favorecer a narrativa advogada por essas empresas”.
“Há uma tendência definitiva à distorção, uma tentativa dealterar o foco”, disse Glanz sobre a posição da GEBN em relação às bebidasaçucaradas. Ela notou que Blair e Hill fazem pesquisas há décadas sobreatividades físicas, saúde e obesidade. Ela se lembra de ouvir Blair dizer: “[Isso acontece porque] o governo federalnão investe o suficiente no lado da atividade dessa equação.” Glanzacrescentou: “A parte questionável surge quando você recebe financiamento das‘grandes empresas de refrigerantes': como isso influencia o que você estáfazendo?”
Glanz receia também que os pesquisadores possam agir deforma que “não chamem a atenção para qualquer dano que possa ser causado pelosprodutos que as empresas estão produzindo e vendendo”. Ela notou que, com basenas reportagens da mídia, a pesquisa da GEBN no caso atual não parece terproduzido nenhuma nova descoberta, caracterizando-a como “perspectivafilosófica […] e tentativa de desviar a atenção do açúcar e do refrigerante”.Ao mesmo tempo, de acordo com Glanz, a atividade física “é ótima” para prevenire gerir não apenas as doenças cardiovasculares, mas também a obesidade, odiabetes, alguns tipos de câncer e de declínio cognitivo, como o Alzheimer.“Contudo, a atividade física não é o principal agente de combate ao sobrepeso eà obesidade”, garante Glanz.
A Coca foi pegadesprevenida?
A Coca-Cola terá calculado mal a reação do público àpesquisa? “Os leigos acreditam que o exercício é a melhor maneira de perderpeso, e não a mudança de dieta, conforme crê a maior parte dos cientistas”,disse Riis. “Talvez por isso tenham sido pego desprevenidos diante do fato deque tanta gente tenha se surpreendido com a mensagem.” A crítica severa damídia nessa controvérsia veio a se sobrepor a outros problemas da Coca-Cola,disse Riis. As vendas da empresa caíram em sintonia com o declínio geral doconsumo de refrigerantes. O volume de vendas de refrigerantes carbonatadosretraiu 0,9% entre 2013 e 2014, tendo a Coca perdido 1,1% e a Pepsi, 1,4%, deacordo com os últimos dados da Beverage Digest, publicação especializada naindústria de bebidas não alcoólicas.
“A tendência à obesidade é, provavelmente, a maior ameaça àlucratividade da Coca-Cola a longo prazo”, disse Riis. O financiamento dapesquisa sobre obesidade da empresa “permite-lhe dizer que está fazendo algumacoisa, mas a imprensa não tem sido favorável porque as coisas estão sendofeitas de forma dissimulada”, disse Glanz. Riis acrescentou: “É bom que vivamosem uma era em que as empresas e as organizações são punidas por isso.Precisamos de maior abertura. Isso ajuda as pessoas a tomarem decisões bemfundamentadas.”
Riis disse que a situação é “um pouco difícil para a Coca”,uma vez que a empresa falhou nas tentativas que fez de ganhar mercado para osprodutos Diet Coke, já que a repercussão na comunidade voltada para a saúdepública não foi boa. “É muito difícil gastar as calorias” de uma lata com 140calorias de Coca normal em comparação com as quatro calorias de uma Diet Coke,explicou. Como a Diet Coke não decolou conforme se esperava, “agora serápreciso tentar outras coisas e, ao que parece, a opção foi pelo aspecto daatividade física”, acrescentou.
Glanz afirmou que a indústria de bebidas quer seautorregular. “A raposa cuidando do galinheiro?”, indagou ainda. Ela notou queo recente compromisso nesse sentido através de uma parceria entre a AssociaçãoAmericana de Bebidas, a Coca-Cola e outras companhias do ramo e a Aliança parauma Geração Mais Saudável (criada pela Associação Americana do Coração e pela Fundação Clinton). O objetivo éreduzir em 20% as calorias das bebidas na dieta americana até 2025 através dacomercialização de latas de menor tamanho e dando ao consumidor opções menoscaloricas, inclusive água de garrafa, entre outras medidas. “Parece bom.Veremos”, desdenhou Glanz.
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