Insensato brilhante II
Retomo aqui a história empresarial de Henry Ford, iniciada na semana passada.
Ford foi o homem que popularizou o automóvel, mas não foi capaz de enxergar nele mais do que uma ferramenta cujo principal atributo deveria ser a confiabilidade. Objeto de desejo? Símbolo de status? Nada disso. Daí não admitir cor diferente do preto, a fim de simplificar a produção, e se recusar a criar modelos mais sofisticados, pelos quais pudesse cobrar preços maiores. Ford entendia seu papel de CEO apenas como o de encontrar meios de fabricar um número maior de carros a preços menores, a fim de inundar a América de modelos T ou quaisquer outros que o sucedessem. O mercado se encarregaria do resto, acreditava ingenuamente.
Nada mais antimarketing. Enquanto as rivais progrediam, incorporando melhorias e criando produtos segmentados, Ford batia pé com um Modelo T que, na metade da década de 1920, já cheirava a mofo. Ele havia determinado que novos automóveis da marca não tornassem obsoletos seus modelos correntes, em uma perigosa manobra de inibição à inovação. Sua resposta à perda constante de market share era a mais simplista possível – reduzir preços -, e vinha coroada pela mais pura obtusidade: diminuir investimentos em propaganda em nome do duvidoso princípio de que “um bom produto vende por si só” (p. 371). Não surpreende que, em meio a essa cegueira mercadológica, também culpasse as concessionárias Ford pelos maus resultados, acusando-as de preguiçosas.
Como todo líder teimoso e autossuficiente, Ford ignorou alertas de subordinados para as mudanças no mercado automobilístico da terceira década do século passado. A partir de dado momento, é possível afirmar que a montadora que leva seu sobrenome perpetuou-se apesar dele - uma nota acentuadamente baixa para uma biografia empresarial tão rica. Coube a seu neto, Henry II, e a um punhado de executivos diligentes a tarefa de recolocar a empresa no prumo quando o fundador finalmente se afastou do comando. Antes disso, Ford havia tolhido seu filho Edsel e outros companheiros de diretoria em todas as tentativas de modernização do negócio.
Curiosos e pouco conhecidos, os equívocos de Ford estão longe de inéditos; são, aliás, relativamente comuns a muitos homens de negócio que entraram para a história. Todos os empreendedores e CEOs bem-sucedidos têm sua cota de erros, enganos, más avaliações e fraquezas pessoais - ou, como preferia o autor de “Miopia em Marketing”, de brilhante insensatez.
Veja mais notícias sobre Indústria.
Comentários: