“O Brasil passa por uma nova colonização: a tecnológica”
Parada no tempo. É assim que Paulo Afonso Pereira (foto) define o status da inovação no Brasil. Desde 1972, quando, aos 26 anos, assumiu o comando da primeira delegacia regional do recém criado Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), em Porto Alegre, até os dias de hoje, na liderança do seu escritório de advocacia de proteção da propriedade intelectual, Pereira observa o mesmo cenário.
Enquanto outras economias mundiais incentivam e investem no desenvolvimento tecnológico, o Brasil continua enredado na própria burocracia e na má administração de recursos humanos e financeiros. Dados da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) mostram que, no ano passado, o Brasil recebeu 30,8 mil pedidos de patentes. Entre os 25 maiores escritórios de registro da OMPI, o brasileiro foi o décimo que mais obteve solicitações, atrás de países como Rússia (44,9 mil), Coreia do Sul (204,6 mil), Japão (328,4 mil), Estados Unidos (571,6 mil) e China (825,1 mil). “Estamos passando por mais uma colonização, a tecnológica. Nós permanecemos sem sair do mesmo ponto, continuamos sendo uma colônia”, resume Pereira.
E não é por falta de capacidade humana que o Brasil, a cada ano, gasta bilhões de dólares na compra de royalties do exterior e que os pedidos de patentes de origem internacional representem, normalmente, 80% das solicitações ao INPI. O potencial criativo, na visão de Pereira, existe. O que falta é vontade política para remover as travas que desmotivam a inovação – sem esquecer, também, a providencial atenção que as empresas nacionais deveriam direcionar ao assunto, como Pereira explica na entrevista a seguir.
Onde começa a dificuldade brasileira em inovar e ter patentes próprias?
É difícil estabelecer uma data. Mas posso falar que estamos estagnados há 44 anos, não crescemos nada. Antes da década de 1970, também não mostrávamos evolução, mas a economia mundial era diferente, as demandas eram menores. Os direitos de propriedade comercial não tinham tanta importância econômica, não havia tanta demanda concorrencial como hoje. Então, ou eles não eram reivindicados ou era uma coisa praticamente cartorial e burocrática.
O último passo de avanço brasileiro na questão de proteção da propriedade industrial foi a criação do INPI, em 1970?
Sim. Até 1970 havia o Departamento Nacional de Propriedade Industrial (Dnpi), que era mais ou menos uma coisa tão desorganizada e confusa como é hoje o INPI. Na época, o regime militar queria substituir a importação, queria dar um boom de desenvolvimento baseado em tecnologia e transferência de tecnologia. Era importante para o Brasil organizar e valorizar esses patrimônios. Nos primeiros anos, houve um trabalho de altíssimo nível. Em menos de dez anos, começou a ter problemas à medida que nunca teve uma atenção política e um real interesse no desenvolvimento da proteção da propriedade industrial. Também piorou quando mudaram o regime de contratação de funcionários, que passou a ser por concurso público, no final da década de 1970. Antes disso, nós participávamos de capacitações, nos projetos do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e da Organização Mundial da Propriedade Intelectual. Tudo para sermos experts em propriedade intelectual. E éramos muito bem remunerados.
E como o senhor avalia o INPI atualmente?
Eu fui presidente do INPI entre 1989 e 1992. Eu tinha um quadro de funcionários abaixo do necessário, cerca de 800 funcionários, quando o ideal era 1.200. Não tínhamos informatização também, tudo era feito manualmente. E, na época, se concedia, em números absolutos, mais marcas e patentes e em menor tempo do que se concede hoje, quando o INPI tem quase o dobro de funcionários e uma estrutura melhor. Demora-se muito mais tempo e se decide menos. Hoje, o INPI está com uma deficiência, ao meu ver, gerencial. Ele não pode ter as condições que tem, de capacidade de recursos humanos, de tecnologia e de equipamentos, e demorar para conceder patentes e marcas. Eu visitei recentemente os institutos da Espanha e de Portugal. O português, que era mais atrasado do que o brasileiro na década de 1990, se reinventou. Tem uma gestão na qual uma marca sai em três meses e uma patente em três anos. Aqui, a marca sai em três anos e a patente em mais de dez anos. Isso demonstra a estagnação. Um dos maiores contenciosos que o Brasil tem com disputas na Organização Mundial do Comércio (OMC) é sobre direitos de propriedade industrial. Sofremos retaliações por causa dessa falta de proteção. A coisa é tão complicada no Brasil que o último presidente do Inpi pediu exoneração há mais de 100 dias e até hoje não foi substituído {na ocasião da entrevista, o novo presidente Luiz Otávio Pimentel - que assumiu o cargo dia 28 de julho - ainda não havia sido nomeado}. Aí a Dilma vai para os Estados Unidos e declara que é importante a concessão de patentes, sem o mínimo conhecimento do que está acontecendo no seu quintal. Dessa forma se entende porque temos sérias deficiências e carências nessa área.
Há uma relação direta entre o potencial de inovação de um país e a sua capacidade em proteger a propriedade intelectual?
Sem dúvida. Tanto é verdade que, até hoje, no Brasil, a grande maioria das universidades que desenvolvem pesquisas não fazem os seus pedidos de patente. E a relação entre as universidades e as empresas é uma ponte pênsil, quase caindo, quando deveria ser o caminho mais sólido e estreito para potencializar a inovação. Mas isso tudo é basicamente uma questão de falta de visão, de gestão e de se estabelecer prioridades. As empresas e os governantes vivem falando em inovar, de investimentos para criar coisas novas, mas é só discurso. Isso enfraquece o país, as empresas, a economia brasileira...
Então falta uma política de apoio à inovação e de proteção também por parte das empresas?
Sim. Aqui no Brasil, quando o empresário quer aumentar ou qualificar a produção, ele pega um avião e vai pra uma feira internacional para ver o que estão desenvolvendo. Aí faz um contrato de transferência de tecnologia, paga e começa a desenvolver aqui. Muitas vezes, o que ele procura lá já existe aqui no Brasil. Pode não ser exatamente a mesma tecnologia, mas pode ser o início de alguma coisa que, de repente, pode até ser superior ao que tem lá fora. Só que os empresários não buscam. Independentemente do tamanho da empresa, o índice de conhecimento, cultura e atenção para isso ainda é muito baixo. As empresas se preocupam em dois momentos: quando estão perdendo os seus direitos por não registrar; ou estão sofrendo ação por usar alguma coisa de terceiro indevidamente, às vezes até sem saber. Aí eu costumo dizer: o difícil se resolve na hora, o impossível demora um pouco mais. É complicado.
Mas a demora do INPI não desmotiva as empresas?
Sim, mas se não fizer isso, eu não tenho nenhum tipo de proteção. Realmente se dependermos do INPI, nós estamos ralados. Por isso, usamos outros caminhos para obter esse tipo de proteção. É o que fazem as empresas que têm meios financeiros robustos. Nós pedimos a patente fora do Brasil, na Comunidade Europeia, por exemplo. Devido ao Tratado de Cooperação de Patentes, temos 12 meses para fazer o mesmo pedido no Brasil, seguindo a data do primeiro pedido feito lá fora. No Brasil, não vai ser nem publicado o pedido antes de ela ser concedida no outro país. Eu fico com uma proteção fora e um pedido no Brasil. Se nesse meio tempo, alguém tenta registrar a mesma patente aqui, nós temos prioridade, prevalece a minha. Tem de fazer um liame legal pra fazer valer a força da sua patente. Olha a ginástica que você tem de fazer! E o investimento também, pois tem os custos daqui e dos escritórios de advocacia lá de fora.
Como o senhor avalia a Lei de Propriedade Intelectual (nº 9.279/1996), que o senhor ajudou a desenvolver {a lei, entre outras novidades, instituiu a concessão de patentes farmacêuticas}? Quais atualizações deveriam ser feitas?
Acho que temos uma legislação atual, mas o problema do Brasil não é ter uma boa lei, mas sim aplicá-la. Algumas atualizações naturalmente precisam ser feitas, muita coisa mudou desde 1996. Acho que se deveria melhorar os prazos e contemplar algumas coisas modernas. Por exemplo, patente sobre modelo de negócio. Isso não tem proteção. Outra coisa que propusemos na época e, que não foi contemplada, foi permitir a proteção de marcas sonoras e olfativas. Ou seja, marcas que você distingue por som ou cheiro. O “plim plim” da Globo, por exemplo. Mas, mesmo que a lei não avance, se a gente conseguir aplicar o que já tem no tempo recorde, já está bom.
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