Condenados pelo êxito
Imagine a situação. Você é um prosaico comerciante que vende sorvetes, doces ou qualquer outra guloseima em uma cidade turística. Trabalha bastante, claro, mas tem as coisas sob controle: sabe mais ou menos quanto cada mercadoria vai vender, a hora que fechará sua loja, o movimento de clientes esperado para um dia típico. Até que um tiktoker visita seu estabelecimento, morre de amores pela sua comida e resolve postar para milhões de seguidores: "eis o melhor sorvete (ou doce, ou salgado) do mundo!". Pronto, sua vida vira de pernas para o ar.
É o que estão enfrentando alguns microempreendedores espanhóis cujos negócios viralizaram nas redes sociais. De um dia para o outro, passaram a enxergar filas na porta de suas lojas, dobraram o turno de trabalho, esgoelaram-se para comprar mais matéria-prima e, devido à pressa de fazer e à demora em atender, comuns em lugares hypados, tornaram-se alvo de comentários desairosos nas mesmas redes que os haviam consagrado. Que tal? Crescer de maneira inesperada nem sempre é uma dádiva. Pega empreendedores desprevenidos, colocando em xeque a própria capacidade de gerir o negócio, frusta consumidores e pode dar início a uma onda de boca a boca negativo. E o motivo não é apenas o fator surpresa, e sim o passivo que o sucesso repentino carrega consigo: a atração de clientes fora do público-alvo.
Tome-se o caso dos empreendimentos citados na matéria linkada acima. Típicos de bairro, voltados a uma freguesia local e a turistas esporádicos. Uma vez badalados na internet, tornaram-se estabelecimentos-destino, daqueles que viajantes anotam na lista de "tem de ver" de uma cidade. Trata-se de uma grande diferença para o target inicialmente imaginado. Afinal, quisessem aproveitar o turismo e iriam para um bairro central ou para as proximidades de um ponto de visitação. O resultado é desagradar àqueles aos quais nunca se buscou atender. E ter de aguentar resenhas negativas online como se a intenção de se tornar pop fosse do lojista, e não obra do acaso.
Numa hora dessas, é preciso seguir os conselhos de Duncan Simester. Em artigo publicado na Harvard Business Review de junho de 2011, o professor e empresário relata caso parecido com esses recentes. Na pré-história das redes sociais, seu fast food tornou-se alvo de resenhas ruins nos sites de comentários da época. Até que um dia se encontrou com muitos desses consumidores num evento promovido pela plataforma de avaliações. O resultado? "(...) [P]ercebi que essas pessoas não se pareciam em nada com nossos clientes (...). Eles são aparentemente menos ricos do que nossos clientes. [É] provável que (...) sejam altamente sensíveis aos preços". Donde concluiu: "[s]e todas as empresas tentarem agradar o mesmo segmento (...), elas correm o risco de renunciar à diferenciação que vem da segmentação".
E para não dizer que só lugares modestos podem sofrer deste mal, o restauranteur Gero Fasano afirma: "tem muito restaurante francês que eu conheço que não quer a terceira estrela (Michelin) porque muda o cliente. Você vira um lugar de turismo. [E] o que faz um restaurante (...) divertido (...) é que ele seja eclético".
E sorveterias, confeitarias e padarias também.
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